Em busca de vida nova ao fugirem de problemas nos países de origem, imigrantes que chegam ao Amazonas acabam se deparando com um novo desafio: sobreviver em meio a estatísticas da violência.

Os números no estado assustam e têm elevado o nível de dificuldade de quem aterrissa na cidade de Manaus, por exemplo, pensando em dias melhores.

No ano de 2021, o Amazonas registrou aumento de 54% no número de homicídios e se tornou o estado mais violento do Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

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Os números divulgados em fevereiro mostram que o estado registrou 36,8 vítimas para cada 100 mil habitantes. Os imigrantes também acabam fazendo parte da estatística de pessoas que sofrem violência na capital e no interior do Amazonas.

Procuramos a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) para saber sobre números envolvendo a morte de imigrantes nos últimos anos. A pasta informou que, até o momento, o setor responsável por dados não repassou nenhum levantamento sobre o assunto.

Sem a confirmação oficial de números totais da violência envolvendo imigrantes no estado, o Portal Norte realizou buscas em registros no Instituto Médico Legal (IML) e em reportagens produzidas. Somente neste início de 2022, em pouco mais de três meses, pelo menos seis assassinatos tiveram como vítimas venezuelanos em Manaus.

Edgar Cardenas foi uma dessas vítimas. Ele acabou morto brutalmente no dia 12 de março, na avenida Desembargador João Machado, bairro Alvorada, Zona Centro-Oeste da capital. Edgar era morador de rua e foi espancado até a morte.

Até terça-feira, 15, o corpo de Edgar seguia no Instituto Médico Legal (IML), na gaveta 18, à espera de reconhecimento de familiares.

Pesadelo

O eletricista Aldrix Gerald Plaza Llovera, de  48 anos, conseguiu melhor sorte que Edgar. Nascido em Caracas, capital da Venezuela, ele morava na cidade de Valência, no mesmo país, quando começou a pensar em uma vida melhor em país diferente.

Com pouco dinheiro para sobreviver, ele decidiu procurar outro lugar e escolheu a capital do Amazonas.

“Não dava mais para morar lá, para viver ou para comer. O salário era muito pouco”, justifica Aldrix.

Após dois anos guardando dinheiro, ele conseguiu viajar até Manaus no início de 2020, pouco antes da pandemia.

Meses depois, o sonho de uma vida digna quase se transforma em tragédia. Aldrix estava na rodoviária da capital quando foi vítima de assaltantes, que o esfaquearam três vezes e perfuraram o seu pulmão.

“Quando estava indo tomar banho na rodoviária, eles chegaram gritando ‘passa o dinheiro’. Eu sabia que iam me assaltar e saí correndo, mas tropecei e caí. Foi quando eles me esfaquearam nas costas. Eu não tinha nenhum dinheiro”, declarou.

Aldrix foi socorrido e levado de ambulância para o Hospital 28 de agosto, com hemotórax traumático. Na unidade, ele foi suturado e teve alta logo em seguida.

Um dia depois, o pesadelo ainda não tinha acabado. Após vomitar e urinar sangue, voltou ao hospital e descobriu que estava com sangue no pulmão.

“Quando eu saí [do Hospital 28 de Agosto], não dei dois passos e caí. Mas o segurança não deixou eu entrar novamente no hospital porque eu já estava de alta. Eu fui assim para a rodoviária. No dia seguinte, comecei a vomitar e urinar sangue e foi quando me levaram novamente para o hospital e fizeram uma drenagem no pulmão”, relatou.

Após 20 dias internado, o venezuelano teve alta no dia 17 de agosto de 2020.

Apesar de o fato ter ocorrido há mais de um ano, o eletricista conta que ainda sofre em decorrência do trauma sofrido em meio à violência urbana de uma capital no Brasil.

“Eu fico nervoso quando ando na rua e preocupado que isso [esfaqueamento] possa acontecer novamente. Manaus é muito violenta”, lamentou.

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Outro problema que ainda acompanha o eletricista são as sequelas do pulmão perfurado.

“Eu ainda estou doente, não posso fazer força, caminhar rápido, pois fico muito cansado e com falta de ar. Ainda estou em recuperação. Meu peito ainda dói, principalmente quando faz muito frio”, detalhou. 

Apesar da violência sofrida no Amazonas, Aldrix decidiu continuar em Manaus.

Esperança

Ele procurou a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), para retirar seus documentos de refugiado, e fez um novo curso de eletricista, agora para conseguir certificado local e desenvolver a atividade legalmente no país. O curso foi pago com latinhas recolhidas nas ruas da capital.

Em setembro de 2021, pouco mais de um ano e meio em Manaus, Aldrix  conseguiu emprego formal na concessionária que presta serviços de energia em Manaus.

Foi também na capital do Amazonas que o eletricista conheceu a esposa, venezuelana, Miriam Josefina Machado León, de 55 anos.

Apesar de terem a mesma nacionalidade, o destino acabou os unindo na capital amazonense.

Foto: Arquivo Pessoal- Miriam Josefina Machado León e Aldrix Gerald Plaza Llovera

 

Dados

O Amazonas tem entre 20 mil a 100 mil imigrantes que solicitaram residência entre 2011 e 2020, de acordo com dados do OBMigra.

Com o agravamento da crise econômica e social na Venezuela, o fluxo de cidadãos venezuelanos para o Brasil cresceu maciçamente nos últimos anos.

Entre 2015 e maio de 2019, o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária. Desse total, mais de 47 mil eram de menores de 15 anos.

A maioria dos migrantes entra no país pela fronteira Norte do Brasil.

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