O capitão da Polícia Militar Helton John Silva de Souza, de 48 anos, investigado por suposta ligação com o assassinato de um casal de agricultores no Cantá, relatou em seu depoimento que, no dia do crime, contatou o comandante-geral da corporação, coronel Miramilton Goiano, por meio de mensagem no WhatsApp. Ele foi aconselhado pelo comandante a se desfazer de seu celular pessoal.

Helton, que estava preso desde o incidente envolvendo Flávia Guilarducci, 50 anos, e Jânio Bonfim de Souza, 57 anos, ocupava então o cargo de chefe de segurança do governador.

Ele é próximo do empresário Caio Porto, atualmente foragido. Três dias após o crime, Helton foi afastado de suas funções na segurança do governador e colocado à disposição da PM.

Nesta quarta-feira (24), um documento do Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), publicado com exclusividade pelo Portal Norte, mostrou que o órgão apura envolvimento do Comandante Geral da Polícia Militar e também do governador Antonio Denarium.

Em seu relato, Helton explicou que decidiu contatar Miramilton porque além de ser seu superior na corporação, é também um antigo amigo e pastor na igreja. O capitão afirmou que estava preocupado com a situação de Caio, que havia mencionado sua intenção de se entregar à polícia, o que não ocorreu.

“Eu fiquei pensando: ‘preciso contar a alguém, preciso avisar alguém’. Então pensei: ‘vou ligar para o coronel Miramilton’. Além de ser pastor, ele é meu amigo de longa data, conhece minha família há gerações”, detalhou Helton.

Segundo ele, durante a ligação, o comandante questionou se Helton estava com seu celular durante o incidente e por que não havia detido Caio. O capitão respondeu que explicaria tudo posteriormente.

“Eu disse que sim, estava com o celular. Ele [Miramilton] me orientou: ‘então troque esse celular’. E eu respondi: ‘sim, senhor'”, relatou Helton.

Após receber a orientação do comandante, Helton trocou seu aparelho celular e entregou o antigo para seu filho vender. Além disso, o capitão guardou a arma usada no crime escondida em sua residência.

O que disse o comandante-geral da PM em resposta ao Capitão da PM?

Em resposta às alegações, o comandante-geral da PM, coronel Miramilton Goiano, através de nota enviada pela Secretaria de Comunicação do governo de Roraima (Secom), afirmou ter recebido “com surpresa o teor do suposto depoimento prestado”. Ele declarou que “não houve nenhuma ligação telefônica recebida horas após o crime, no qual o capitão Helton John está sendo investigado”.

O coronel ainda explicou que recebeu uma ligação do capitão Helton dias após o crime, mas ressaltou que durante a conversa não houve confissão de crime por parte do capitão, considerando ilógico confessar um crime por telefone.

Miramilton negou ter orientado Helton a se desfazer do telefone e afirmou que desde que o áudio veio a público e houve suspeitas de envolvimento do capitão no crime, a orientação foi para que ele se apresentasse às autoridades e explicasse sua versão dos fatos.

Ele destacou que todas as suas ações em relação ao caso foram conduzidas dentro dos procedimentos institucionais adequados, garantindo que as investigações fossem conduzidas de maneira imparcial e transparente.

Ordem cronológica do caso

  • 22 de abril – Um boletim de ocorrência foi registrado por um agricultor contra o vizinho Caio de Medeiros Porto, de 32 anos, por ameaça.
  • No dia seguinte, Genivaldo Lopes Viana, de 53 anos, acompanhado por Caio e outro homem chamado Johnny de Almeida Rodrigues, compraram 20 munições de uma loja especializada em Boa Vista. O recibo estava em nome de Johnny.
  • No dia 23 de abril, Jânio Bonfim de Souza e sua esposa, Flávia Guilarducci, foram baleados quando quatro homens invadiram sua casa na vicinal do Surrão, no Cantá, por volta das 10h. Nenhum dos invasores foi preso na ocasião.
  • Jânio Bonfim foi atingido no abdômen e levado ao hospital por um vizinho, que também havia sido ameaçado por Caio. Infelizmente, Jânio não sobreviveu aos ferimentos e faleceu no mesmo dia.
  • No dia seguinte ao crime, Genivaldo Lopes e Luiz Lucas Raposo da Silva, de 35 anos, foram presos pela Polícia Civil sob suspeita de envolvimento no assassinato de Jânio e na tentativa de homicídio de Flávia.
  • Em 25 de abril, o delegado Ronaldo Sciotti solicitou a prisão preventiva de Caio Medeiros, aguardando uma decisão judicial.
  • Em 28 de abril, cinco dias após o crime, Flávia Guilarducci faleceu no Hospital Geral de Roraima (HGR), onde estava internada em estado grave na UTI. A causa da morte foi traumatismo cranioencefálico e ferimentos por arma de fogo.
  • Em 1° de maio, as investigações apontaram o envolvimento do capitão da Polícia Militar Helton John Silva de Souza, de 48 anos, no assassinato do casal. Ele estava presente no local junto aos suspeitos no dia do homicídio.
  • No mesmo dia, um áudio gravado durante o ataque mostrou uma conversa entre o casal e os suspeitos antes do crime, seguida por seis tiros disparados em cerca de 15 segundos. A voz do capitão Helton foi identificada na gravação.
  • No dia 10 de maio, Helton John foi preso por suspeita de envolvimento no assassinato do casal
  • Em primeiro de Julho, o capitão da PM disse em depoimento que no dia do crime ligou para o comandante-geral da corporação, coronel Miramilton Goiano, e foi orientado a se desfazer do próprio celular
  • Também no dia 01/07, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou a prisão e concedeu liberdade a Genivaldo Lopes Viana, de 53 anos, e Luiz Lucas Raposo da Silva, de 35, investigados por participação no assassinato do casal de agricultores
  • Hoje, 24 de julho, é divulgado um documento do Ministério Público do Estado de Roraima que apura, com base em declarações dadas pelo capitão da PM Helton John, o possível envolvimento do coronel Miramilton Goiano e do governador Antonio Denarium no crime.

O que diz o documento do MP sobre o crime contra casal

Extrai-se que o investigado Helton John mencionou em seu interrogatório que, após os crimes de homicídio, ligou para o Comandante Geral da PMRR e lhe contou a respeito dos fatos, momento em que foi instruído a trocar de celular e aguardar as investigações. Da mesma forma, relatou que Tiago Porto, irmão do investigado Caio Porto, esteve no Palácio do Governo para conversar com o Governador do Estado, Antônio Denarium, e que a referida autoridade teria feito contato com a Delegada Geral da Polícia Civil, solicitando para o caso ser resolvido diretamente com Tiago. 

Quanto ao Exmo. Sr. Governador, o investigado narrou que houve, em tese, uma tentativa de intervir nas investigações, não tendo sido obtida qualquer outra informação a respeito. 

Confira abaixo na íntegra.

Pede ainda o documento do Ministério Público de Roraima:

Instauração de inquérito perante esse E. Tribunal de Justiça para apurar os fatos atribuídos ao Exmo. Sr. Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Roraima, nos termos do artigo 77, inciso X, alínea “a”, c/c artigo 180, ambos da Constituição Estadual, designando-se Relator, com a posterior remessa dos autos a este Parquet.˜

Envio de cópia integral dos autos ao Exmo. Procurador-Geral da República, para que adote as providências que entender pertinentes quanto aos fatos atribuídos ao Exmo. Sr. Governador do Estado de Roraima.