Duzentos e quinze dias depois do anúncio dos primeiros casos de uma pneumonia desconhecida disseminada por um vírus, a China voltou a sofrer um surto do Sars-CoV-2. Para tentar controlar a transmissão da variante Delta, as autoridades chinesas ordenaram o confinamento de milhões de civis, principalmente aqueles com quem os infectados tiveram contato. Somente ontem, o governo do presidente Xi Jinping anunciou 55 novos casos de covid-19 de transmissão comunitária em 24 horas. A cepa Delta está presente em mais de 20 cidades e em 15 províncias.

Os casos do atual surto surgiram em Nanjing, na província de Jiangsu (leste). Wuhan — metrópole de 11 milhões de habitantes, situada na província de Hubei (centro), e berço da pandemia — também registrou o avanço da cepa Delta. Segundo a agência de notícias estatal chinesa Xinhua, o novo foco envolveu sete trabalhadores migrantes rastreados em uma estação de trem.

Em Nanjing, com 9,3 milhões de moradores, e em outras cidades da China, milhares de pessoas fazem filas à espera de se submeterem a testes de DNA para a detecção e a tipagem da variante do Sars-CoV-2. A Xinhua informou que o surto começou em 20 de julho passado, quando nove funcionários da limpeza do aeroporto de Nanjing testaram positivo. Desde então, 328 casos da covid-19 foram confirmados, número similar ao contabilizado pela China nos cinco meses anteriores.

A província de Jiangsu cancelou todos os voos do Aeroporto Internacional de Lukou desde 30 de julho. Qualquer cidadão que sair de Nanjing é obrigado a apresentar o resultado do teste de DNA negativo emitido até 48 horas antes da viagem.

Cinemas, academias, bares de livrarias estão impedidos de funcionar.

As autoridades de Pequim decidiram “aumentar a vigilância sanitária, tomar precauções rígidas e defender a capital até a morte, sem poupar gastos”. A cidade reportou a primeira infecção pelo Sars-CoV-2 em quase seis meses. O acesso a Pequim de cidadãos provenientes de áreas de alto e médio risco de contágio está proibido. Viagens de avião, trem e ônibus tendo como origem ou destino áreas afetadas pela covid-19 também foram suspensas.

Em Zhangjiajie, cidade turística situada na província de Hunan (centro) e famosa por um complexo espeleológico, todos os 1,5 milhão de moradores receberam ordens de permanecerem em casa. As suspeitas são de que uma apresentação teatral prestigiada por milhares de pessoas tenha contribuído para a disseminação da covid-19. Por sua vez, o governo de Zhuzhou. 389km a sudoeste, impôs lockdown a mais de 1,2 milhão de pessoas. A determinação é para que o isolamento rígido dure pelo menos até quinta-feira.

“A situação continua sombria e complicada”, advertiu.

A China não tem poupado críticas à Organização Mundial da Saúde (OMS), que se esforça para investigar a origem da pandemia. Nos últimos meses, aumentaram as suspeitas de que o coronavírus surgiu a partir de um laboratório de virologia em Wuhan.

Especialistas

Reitor da Faculdade Nacional de Medicina Tropical do Baylor College of Medicine, em Houston (Texas), Peter Hotez vê com reservas a decisão das autoridades chinesas de confinar milhões de cidadãos como forma de evitar a proliferação da variante Delta do Sars-CoV-2. “Lockdowns podem não ser necessários se pudermos vacinar grandes populações, de modo rapido e eficiente. O problema é que precisamos que as nações do G7 ou do G20 produzam 6 bilhões de doses de vacinas para países de baixa e média rendas”, explicou ao Correio. “Isso inclui uma vacina de proteína recombinante, pois atualmente não é possível intensificar a fabricação de imunizantes baseadas no mRNA (RNA mensageiro).”

Para Shao Yiming, pesquisador do Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças, a ocorrência de infecções é um fenômeno “normal”. Citado pela emissora CNN, Feng Zijian, também estudioso chinês sobre epidemias, disse que, apesar de o nível de imunidade contra a variante Delta ser mais baixo, as vacinas existentes fornecem boa proteção contra o Sars-CoV-2.