A Universal Music, maior gravadora do mundo, surpreendeu na última semana com o anúncio de que iria retirar músicas com seu selo do TikTok.
No catálogo da empresa, estão grandes nomes da música internacional, como Taylor Swift e The Weeknd, e também do Brasil, como Anitta e Jão.
Como justificativa, a gravadora alegou não ter entrado em acordos com a plataforma acerca da compensação dos artistas, do uso de inteligência artificial na rede social e da segurança online no TikTok.
A rede social respondeu também com uma nota pública que acusava a gravadora de “colocar sua própria ambição acima dos interesses de seus artistas e compositores” e disse que a plataforma é “um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos”.
O anúncio parece ter pouco impacto para quem não utiliza a plataforma no dia a dia, mas é fato que o TikTok teve uma enorme expressão na indústria da música nos últimos anos.
A Universal Music se manteve firme após o anúncio da decisão. Na conta de Taylor Swift, a aba que continha as faixas da artista aparece com um aviso de “música indisponível”.
Um vídeo com 12 milhões de visualizações em que Anitta ensina a dança de Mil Veces foi silenciado.
As exclusões começaram a ser feitas na última quinta (1º), dia que marcou o fim do contrato da gravadora com o TikTok, e repercutiram com força na imprensa internacional.
TikTok não é Spotify
Para começar a compreender como se dá a compensação dos artistas no TikTok é preciso entender que, apesar de conter músicas, a rede não funciona da mesma forma que plataformas de streaming como Spotify, Deezer e Apple Music.
Daniel Campello, advogado de direito autoral, explica que, conforme a lei de direitos autorais no Brasil, o pagamento é proporcional à importância da música para o usuário.
O advogado pontua que, apesar de ser um ponto importante para o TikTok, a música tocada na rede não paga a mesma quantia de outras plataformas de streaming.
“O consumo de música é muito importante para a plataforma, mas certamente a compensação não vai ser no mesmo patamar [do que o Spotify, por exemplo], de acordo com as leis de direito autoral do Brasil e ao redor do mundo”, comenta.
O produtor Vitor Cunha, CEO da distribuidora independente Magroove, aponta que o valor depende de negociações entre cada plataforma e gravadora.
“Os valores podem ser diferentes até entre similares como Spotify, Deezer e Apple Music. Cada um apresenta um esquema de remuneração diferente que deve ser levado em conta na hora de disponibilizar um catálogo”, diz.
Ele explica que o TikTok, ao contrário de plataformas de streaming, atua mais como “um canal de descoberta”.
“Se estivéssemos falando de uma plataforma de streaming, como Spotify, [o anúncio da exclusão] seria sim bem mais problemático […] [O TikTok] não é um canal de receita expressivo para o artista e gravadora”, avalia.
Artistas dependem do TikTok para divulgar músicas?
Enquanto a Universal Music pautou a decisão na compensação da plataforma, o TikTok respondeu alegando ser “um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos”.
A afirmação divide especialistas: enquanto Daniel Campello enxerga um prejuízo para a divulgação das músicas, Vitor Cunha acredita que o cenário musical esteja mais “pulverizado”.
O advogado dá como exemplo Anitta, que assinou um contrato com a gravadora recentemente. Em 2022, a cantora fez história ao se tornar a primeira artista latina a alcançar o Top 1 do Spotify Global.
Ela conseguiu o feito com Envolver, faixa que contou com uma “ajudinha” de um desafio de dança criado no TikTok.
Para ele, o estilo da cantora, funk, deve ser um dos mais impactados com a mudança.
“Como o lançamento de uma música do gênero dela vai sobreviver sem o TikTok?”, questiona.
Cunha, por outro lado, julga que o papel da rede de vídeos pode ser cumprido por outras redes sociais.
O produtor avalia que a internet, hoje, tem realmente o mesmo impacto na divulgação de músicas do que era a MTV nos anos 1980, mas afirma que o mercado musical “está mais pulverizado”.
“A promoção acontece pelo TikTok, mas também no Instagram, Youtube, Facebook, Twitter”, diz. “A plataforma é um canal importante, mas certamente não tão hegemônico quanto a MTV dos anos 1980.”
O anúncio dividiu artistas até da própria gravadora. O cantor Yungblud, que se apresentou no Brasil em 2023 durante o Lollapalooza, foi duro e avaliou a mudança como “idiota”.
“É a mesma m*** de sempre: duas companhias enormes decidindo o que acontece com a arte das pessoas. […] Tudo pode ser tirado ao apertar um botão. No final das contas, é um grande lembrete para mim e outros artistas de que as coisas que você cria não devem ficar ‘em dívida’ com grandes empresas de tecnologia”, declarou em um vídeo no TikTok.
O que diz a Universal Music
Em carta aberta publicada no último dia 30, a Universal Music escreveu que o principal objetivo da gravadora é “ajudar nossos artistas e compositores a atingirem seu maior potencial criativo e comercial” por meio de parcerias.
Dentre os parceiros da empresa, está o TikTok, que, segundo a nota, teve o sucesso construído “em grande parte com base na música criada pelos nossos artistas e compositores”.
“Seus executivos seniores afirmam publicamente com orgulho que ‘a música está no centro da experiência do TikTok’ e nossa análise confirma que a maior parte do conteúdo do TikTok contém música, mais do que qualquer outra grande plataforma social”, prosseguiu.
Para renovar o contrato com a rede social, a gravadora disse ter exigido uma “compensação adequada aos artistas”, “proteção de artistas contra os efeitos nocivos da IA” e “segurança online para usuários do TikTok”.
As conversas entre as empresas, porém, não chegaram a acordos julgados como satisfatórios para a Universal Music.
“Com relação à questão da remuneração de artistas e compositores, o TikTok propôs pagar aos nossos artistas e compositores uma taxa que é uma fração da taxa que as principais plataformas sociais em situação semelhante pagam”, afirmou.
Conforme a nota, a rede de vídeos representa apenas 1% da receita total da gravadora.
Na sequência, a Universal acusou a plataforma de tentar “construir um negócio baseado na música, sem pagar um valor justo pela música”.
“À medida que as nossas negociações continuavam, o TikTok tentou nos intimidar para que aceitássemos um acordo de valor inferior ao anterior, muito inferior ao valor justo de mercado e que não refletia o seu crescimento exponencial”, afirmou.
A gravadora acusou a plataforma de tentar intimidá-la retirando músicas de “artistas em desenvolvimento” após as tentativas de acordo.
A Universal reconheceu o impacto da decisão para artistas e fãs, mas disse priorizar a responsabilidade de lutar por um acordo que priorize a compensação dos cantores e compositores.
“Honramos nossas responsabilidades com a maior seriedade. A intimidação e as ameaças nunca nos farão fugir dessas responsabilidades”, finalizou.
O que diz o TikTok
No mesmo dia, o TikTok divulgou também uma nota pública em que avaliava como “triste e frustrante que a Universal Music Group tenha colocado sua própria ambição acima dos interesses de seus artistas e compositores”.
A plataforma ainda acusou a gravadora de criar uma “falsa narrativa”.
“O fato é que eles optaram por deixar de ter o poderoso apoio de uma plataforma com mais de um bilhão de usuários que serve como um meio gratuito de promoção e descoberta de seus talentos”, escreveu.
Por fim, a rede alegou que “tem firmado acordos que colocam os artistas em primeiro lugar com todas as outras gravadoras e distribuidoras”. ]
“Claramente, as ações em benefício próprio da Universal não são do melhor interesse dos artistas, compositores e fãs”, disse.