Maestria Transamazônica
Em 1997, Julio Medaglia fundou a Amazonas Filarmônica, uma das maiores orquestras em atividade no país. Ao Norte Entrevista, o maestro fala de sua história e de suas conquistas na música.
Como descobriu a música
Quando era muito jovem, sua família teve uma empregada doméstica vinda de Minas Gerais que trouxe em sua mala um violino para crianças. Julio começou a mexer no instrumento e logo conseguiu tocar “Noite Feliz” com ele. “Minha mãe se encantou com aquilo e foi descobrir uma professora de violino”, diz o maestro. As aulas deram resultado, e ele ganhou um bom violino de um tio. Depois, estudou em São Paulo com o professor alemão Koellreutter e seguiu para a Alemanha, onde se formou na Universidade de Freiburg. Na segunda metade da década de 60 retornou ao Brasil e iniciou sua carreira profissional.
Música nas escolas
“Quando eu estudava, tinha ensino musical na escola”, relembra o maestro. Esse ensino havia sido organizado e incentivado pelo compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), e vigoraria no país até 1972, quando foi removido pela ditadura militar. Depois de muitas idas a Brasília, o maestro conseguiu o apoio da senadora Roseana Sarney, e o ensino musical voltaria a ser obrigatório nas escolas em 2008. Apesar dessa conquista, Medaglia não conseguiria aprovar também um currículo musical unificado para as escolas. “Nenhum ministro da Cultura nem da Educação se interessou para fazer um currículo musical bom, e parece que muitas escolas estão fazendo isso, dando ensino musical por iniciativa própria, porque é obrigatório, mas não tem aquela consistência que tinha o currículo criado por Villa-Lobos”.
Tropicália
Medaglia foi convidado em 1967 para escrever a trilha sonora da peça “Isso Devia Ser Proibido”, de Bráulio Pedroso. Um jovem cantor e compositor baiano assistiu à peça e gostou muito. Seu nome: Caetano Veloso. “Ele foi a minha casa, e dizia, “eu queria que você escrevesse a música do meu primeiro disco individual”, revelou o maestro. Medaglia fez os arranjos para a canção-título do álbum, “Tropicália”. “Aquilo deixou de ser um simples estilo de canções para ser uma usina de idéias, o Tropicalismo”, diz. Há pouco tempo, quando Caetano recebeu um título honoris causa em Salamanca, na Espanha, Medaglia lhe enviou mensagem parabenizando-o, e Caetano respondeu: “Muito obrigado, Julio, sem você eu não estaria lá”. Medaglia arremata: “O que não é verdade, ele é um gênio, ele não precisa de ninguém pra ter feito a belíssima carreira que ele fez, mas me deixou muito feliz e recompensado por meu esforço na época”.
Amazonas Filarmônica
Entre as muitas coisas que fez na carreira, o maestro recebeu convites para criar conjuntos musicais e orquestras. “Uma fundação cultural me convidou e eu fui com uma orquestra de São Paulo, e eu dei um concerto às margens do rio Amazonas”, conta. O governador Amazonino Mendes se interessou e pediu ao maestro uma orquestra “dessa qualidade” para o Teatro Amazonas. Com o fim do regime socialista nos países da chamada “Cortina de Ferro”, em meados dos anos 90 do século passado havia músicos de alto nível sem trabalho. Medaglia foi reger a ópera “O Guarani” na Bulgária e espalhou a notícia de que traria músicos de lá para formar uma orquestra no meio da Amazônia. Ele voltou ao país, selecionou 50 deles e formou a Amazonas Filarmônica. “Hoje, você encontra músicos na Amazônia debaixo da ponte, em boate, em festa de casamento, felizmente o projeto deu muito certo”, comemora.
O que faz um maestro
Para o músico, o trabalho de um maestro de uma orquestra sinfônica tem duas dimensões. “A primeira é a de um engenheiro frio, sem nenhuma emoção, trabalha com a orquestra ensaiando como se estivesse fazendo um projeto arquitetônico”, diz o maestro. “A segunda é, com a batuta, fazer uma espécie de mímica no ar, ele se transforma num símbolo daquela música que combinou com os músicos nos ensaios”, completa. “Graças àqueles movimentos aparentemente tão simples é que 80, 100 músicos se baseiam para começar a tocar”, ensina.
““Prelúdio” e “Fim de Tarde”
Medaglia costumava frequentar a Rádio Cultura, que antigamente se situava na Avenida São João, na capital paulista. Ele assistia a um programa de calouros daquela época e, um dia, teve a ideia de fazer o mesmo com a música clássica. Ele levou o projeto à direção da TV Cultura e disso nasceu o “Prelúdio”, um programa de calouros para jovens de música clássica. O programa deverá ter sua 19a. temporada em 2024, com absoluto sucesso em revelar novos músicos. Medaglia apresenta também, há quase 40 anos, todos os dias, na Rádio Cultura de São Paulo, o “Fim de Tarde”, que é um programa de música clássica com pequenos comentários para despertar a curiosidade do público.
Revolução digital na música
O maestro acredita que toda evolução técnica é bem-vinda. No entanto, diz que a cultura popular é muito frágil e precisa ser melhor cuidada. “De tanto ouvir mediocridade, espero que com o tempo as pessoas vão começar a exigir mais”, acredita.
O patrocínio na música
“Existem vários projetos maravilhosos no Brasil hoje”, diz Medaglia. Ele dá o exemplo da favela de Heliópolis, em São Paulo, cuja orquestra já está soando como se fosse uma de nível internacional. “Era o maior centro de tráfico de drogas de São Paulo, hoje em dia tem a melhor orquestra jovem oriunda de uma favela”, diz. “O futuro é esse mesmo”, conclui.
Nathan Amaral
“Esse menino começou a estudar, em pouco tempo, com uma facilidade incrível, ele assimilou toda a tecnologia musical e veio prestar concurso aqui no “Prelúdio”, relembra Medaglia. Um grupo de empresários de São Paulo viu ele tocando e custeou seus estudos em Salzburg, na Áustria. Agora, Nathan ganhou mais um concurso internacional: “É uma prova de que é muito fácil você tirar uma pessoa às vezes de uma situação social degradante, desagradável, e transformar ele num grande artista”, arremata o maestro.
Reveja a Norte Entrevista com Nathan Amaral: https://portalnorte.com.br/conheca-nathan-amaral-violinista-brasileiro-ganhador-de-premio-nos-eua/