Uma estudante de 13 anos do Colégio Municipal Doutor João Paim, que é integrado ao sistema de colégios da Polícia Militar, relatou ter sido impedida de entrar na instituição por causa dos cabelos crespos.

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O funcionário que barrou o acesso dela é inspetor da unidade, que fica em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador/Bahia.

O caso aconteceu com Eloah Monique Tavares, no dia 21 de março. Ela chegou à escola com o cabelo preso em coque, mas sem estar envolvo na rede exigida para cobrir o penteado. A estudante conta que o inspetor não questionou a falta da rede, mas mandou ela alisar os cabelos.

“Cheguei lá com os alunos, como todo mundo, e quando chegou na minha vez ele disse: ‘Aluna, você não está adequada para este colégio’. Aí ele disse assim: ‘Seu cabelo está inchado e você precisa alisar mais ele’”.

Mesmo depois de ter sido mandada para casa pelo funcionário, Eloah Monique tentou modificar a identidade do próprio cabelo, com ajuda de uma amiga, para se encaixar ao padrão. A jovem relata que, mais uma vez, o inspetor repetiu que o cabelo crespo dela era o motivo pelo qual ela não entraria.

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A cena aconteceu na porta da escola, na presença de outros estudantes e pais de alunos, que acompanharam tudo em silêncio. A caminho de casa, a estudante mandou áudio para mãe contando a situação e, pela primeira vez, se referiu ao próprio cabelo como algo ruim.

“Foi hoje, acertei o diabo do meu cabelo e disse que era para eu voltar, porque meu cabelo estava muito folgado, que eu não ia entrar no colégio não”, disse ela.

A mãe de Eloah, Jaciara Tavares, reforçou que a única falha da filha foi não usar a rede que cobre o coque, e que nada justifica a não aceitação de cabelo crespo, que é naturalmente mais volumoso mesmo quando preso. Para a mãe, a filha foi vítima de racismo praticado por um funcionário negro.

“No dia 21 de março, ela foi à escola com um coque. Um instrutor mandou ela voltar para casa. A colega dela ainda tentou arrumar o cabelo da minha filha, mas homem disse estava ‘inchado’ e que não adiantava”, contou Jaciara.

“Ela então voltou para casa e me disse que foi barrada na escola porque não estava seguindo as regras, que a aparência estava inadequada para frequentar o lugar. Disseram ainda que, se ela estivesse tendo dificuldade para se adequar às regras, era para me pedir para procurar outra escola, onde pudesse ‘usar tranças, cabelo solto, cabelo preso, liso, duro, da forma que ela quiser’.

Diante do desespero da filha e revoltada com toda abordagem do policial reformado, a vigilante pediu dispensa no trabalho e se dirigiu à unidade de ensino para entender o que havia ocorrido. No entanto, de acordo com ela, o instrutor não se intimidou.

“Ele usou comigo o mesmo tom que usou com ela. Falou que se fosse o caso, era para alisar o cabelo dela. Como é que pode uma criança ser mandada para casa por causa do cabelo? É triste a gente ver o negro falando assim, principalmente para uma menina de 13 anos, que está mudando na adolescência, cheia de outros dilemas”, acrescentou.

A mãe de Eloah procurou a direção da escola e ouviu que “regras são regras”. Ela disse que solicitou o nome do instrutor à direção do colégio para poder fazer uma denúncia de racismo, mas não foi atendida.

Desde então, Eloah Monique tem frequentado as aulas, mas tendo que encher o cabelo de creme para tentar reduzir o volume.

“Sei que está sendo difícil para ela, então está sendo difícil para mim também. Nunca imaginei na minha vida passar por isso”, desabafou a mãe da estudante.

O caso chegou à Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), que acompanha a situação, como explica a defensora Eva Rodrigues.

“Tão logo a gente tomou conhecimento da notícia, a Defensoria Pública procurou o colégio, solicitando informações sobre o caso, e pedindo também esclarecimentos sobre as condutas adotadas pela escola, quando acontecem casos de racismo na escola”, explicou Eva.

Neste ano, a DPE-BA criou o selo “escola antirracista”. A instituição também lançou um livro com quatro contos e orientações aos pais, além de dicas e leitura. A defensora Larissa Rocha explicou que o objetivo é diminuir as práticas racistas no ambiente escolar.

“Esse ano, o foco da campanha é uma educação sem racismo. Infelizmente, a gente sabe que a escola é um ambiente que reproduz práticas, é uma instituição que está dentro de uma sociedade que é estruturalmente racista. Crianças e adolescentes negros sofrem racismo de maneira cotidiana, das mais diversas formas. Essa que a aconteceu São Sebastião do Passé é uma situação, muito provavelmente, de injúria racial. Porém, outras situações de racismo acontecem no ambiente escolar”.

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