Líderes de 11 dos 12 países da América do Sul se reúnem nesta terça-feira (30), em Brasília para discutir um modelo de integração para a região.
Organizado pelo governo brasileiro, o encontro marca a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de projetar a liderança brasileira na região e o protagonismo diplomático do País.
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As divergências ideológicas entre os líderes presentes ao encontro, a falta de uma pauta clara e até mesmo a indefinição sobre se haverá ou não o relançamento da antiga União de Nações Sul-Americanas (Unasul) criam dúvidas sobre o resultado prático da cúpula, segundo diplomatas.
O Itamaraty confirmou a presença dos presidentes: da Argentina, Alberto Fernández, da Bolívia, Luis Arce, do Chile, Gabriel Boric, da Colômbia, Gustavo Petro, do Equador, Guillermo Lasso, da Guiana, Irfaan Ali, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, do Suriname, Chan Santokhi, do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e da Venezuela, Nicolás Maduro.
“A América do Sul precisa se convencer de que temos de trabalhar como se fosse um bloco. Não dá para ninguém imaginar que sozinho vai resolver seus graves problemas, que já perduram 500 anos. Juntos somos 450 milhões de pessoas, temos um PIB de quase U$ 4,5 trilhões, temos força na negociação”, disse Lula, na segunda-feira, após reunião com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
Um ‘novo velho’ foro regional
O governo brasileiro defende um diálogo político periódico entre os líderes da América do Sul, independentemente de orientação ideológica, para tratar de temas de interesse comum como comércio, meio ambiente e crime organizado, entre outros.
“Eles (presidentes) podem propor outra coisa, pode funcionar diferente. A ideia central é formar um bloco para trabalhar juntos. Acho que não é difícil porque temos mais ou menos os mesmos problemas. Penso que vamos ter sucesso”, afirmou Lula.
O único item dado como certo na pauta é a discussão sobre a reativação da Unasul, da qual agora fazem parte somente Brasil, Argentina, Peru, Venezuela, Bolívia, Guiana e Suriname. Mas a Unasul não será necessariamente recriada.
Outras alternativas, segundo Lula, estão sobre a mesa.
Outrora identificada com líderes de esquerda, a organização foi paulatinamente abandonada pelos países-membros e se paralisou.
Atualmente, somente sete nações fazem parte do órgão, que não dispõe mais de comitês temáticos e conselhos ativos. Não há orçamento.
Até a sede no Equador, inaugurada em Quito, em 2014, ano da última cúpula realizada, deixou de funcionar.
Na prática, no entanto, os líderes vão debater que tipo de modelo de integração desejam.
Até o nome do “bloco” pode mudar, assim como o funcionamento, periodicidade e sede.
O governo Lula propõe que o mecanismo de consulta multilateral seja permanente, com perfil de Estado, em vez de ficar sujeito às conveniências e à ideologia do governo da vez.
Uma reunião sem decidir nada
Para evitar críticas sobre uma possível fracasso da cúpula, o governo argumenta que a reunião é um ponto de partida, não de chegada, e não necessariamente resultará em decisões comuns.
“Queremos ouvir cada um. Cada um vai voltar para seu país com as ideias discutidas, depois vamos ver outro encontro para ver no que a gente avançou”, disse Lula.
“A reunião não decide nada. É apenas uma prospecção de possibilidade de fazermos o que tem de ser feito em outras reuniões.”
Segundo a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, a principal preocupação do governo é criar um foro para decisões de Estado.
“Nos últimos anos houve uma fragmentação da integração sul-americana. Uma Unasul de cinco, sete países não resolve. Estamos falando de Estado, não de governos que fiquem mais ou menos alinhados”, disse.
“Temos consciência de que há diferenças de visão e de orientação ideológicas entre os países, por isso mesmo consideramos um começo. Não queremos pré-julgar o diálogo dos presidentes.”
Em duas participações recentes no Congresso, o chanceler Mauro Vieira pregou o pragmatismo “acima de efervescências ideológicas”, no novo mandato de Lula.
“Não nos interessa uma região em que prevaleçam conflitos e isolamentos. Precisamos encontrar soluções negociadas para os desafios que compartilhamos. Não falar, virar as costas, não resolve, isso é negação da diplomacia”, ponderou Vieira em recente audiência no Congresso.
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Desconforto com Maduro
Diplomatas brasileiros e de países vizinhos ouvidos pelo Estadão admitem, em conversas privadas, um estranhamento nas delegações com a convocação de um encontro sem pauta concreta.
Apesar disso, o modelo “intimista”, sem transmissão dos discursos nem presença de delegação ampliada ou da imprensa, também ajuda a ocultar eventuais divergências e resistências por razões políticas entre os presidentes.
Há um desconforto com a presença de Nicolás Maduro, da Venezuela.
Em reuniões multilaterais abertas, delegações costumam mostrar discordância em situações que geram constrangimento, como a recusa em posar para fotos conjuntas ou a retirada da sala durante discurso, em plenário, da figura repudiada.
Houve questionamentos internos nos países com a notícia da presença de Maduro, primeiro a chegar a Brasília.
Ciente das divergências, o chavista propôs uma relação menos belicosa entre os países dissonantes da região, sem isolacionismo.
“Não podemos deixar que ideologias intolerantes, extremistas e excludentes se imponham”, disse nesta segunda-feira, 29, no Palácio do Planalto.
O governo afirma que a falta de uma agenda própria, sugerida pelo anfitrião, como costuma ocorrer em cúpulas de chefes de Estado, se deve à proposta de “liberdade” de conversas reservadas.
Também seria uma forma de deixar o microfone aberto para os presidentes exporem suas visões, sem condicionantes, a respeito da atual descoordenação regional.
“Lula quer que todos se escutem. A cúpula não tem uma agenda. A ideia é um debate bastante desestruturado”, disse Padovan.
“É como se fosse um retiro, como se fossem a um wellness (centro de bem-estar), você vai lá e uma guru do wellness fica fazendo a pajelança.”