Três mães relataram ao Portal Norte que enfrentam problemas para conseguir assistência médica, por meio dos planos de saúde Unimed Fama e Samel, aos filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em Manaus.

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Algumas denúncias apontam que as operadoras não estão pagando as clínicas conveniadas e os serviços estão suspensos.

Além disso, há dúvida sobre a especialização de alguns locais oferecidos para o tratamento.

Caso de Alessandra e do filho Arthur

Uma das mães que enfrentam o problema é Alessandra do Vale. Usuária da Unimed Fama, ela diz que o filho Arthur, de 4 anos, perdeu a assistência em diferentes momentos entre maio de 2022 e maio de 2023.

De acordo com ela, no início do tratamento a Unimed chegou a autorizar atendimento ao Arthur em uma clínica sem estrutura e sem atendimento específico para crianças autistas. Ele só foi encaminhando para um lugar especializado após liminar da Justiça.

“Eles fizeram um acordo judicial no começo desse ano para pagar os atrasados e foi em maio, mais ou menos, que eles quebraram o acordo do que estavam devendo anteriormente, e não pagaram nem março, nem abril, nem maio”, disse.

Alessandra diz que o filha está em fase crucial de intervenção, onde se deve aproveitar a “neuroplasticidade”.

Trata-se da fase onde as crianças têm mais facilidade em aprender e consolidar ganhos.

“Estamos em um cabo de guerra sem fim, vários processos judiciais, denúncias no SAC deles e em órgãos como PROCON e ANS”, enfatizou.

Até a publicação desta matéria, a mãe do Arthur foi contactada pela Unimed, que insinuou a troca do prestador de serviço, pois “não estava conseguindo entrar em acordo”.

“Hoje eu sigo pagando o que consigo para que o Arthur não fique sem as terapias”, lamentou.

Caso da Karoline e do filho Apolo

Com a Karoline Freire, mãe do Apolo, de 7 anos, a denúncia gira em torno da Unimed “nunca cobrir inteiramente o que está no laudo, como é por lei”, conta.

Karoline relata que as cargas horárias das terapias eram insuficientes, já que duravam 30 minutos ou menos.

Ela conta que a suspensão do atendimento veio em meados de outubro de 2022.

“As clínicas particulares aceitam os pacientes da Unimed Fama, eles realizam o procedimento, as terapias durante o mês inteiro, mas quando chega no final do mês, a Unimed não repassa o valor que é o pagamento”, disse.

Karoline menciona que após a suspensão, a Unimed mandou Apolo para outra clínica, na qual ela alegou que “os profissionais não comprovavam a especialização e se negavam a mostrar se eram capacitados”.

“Foi uma bagunça, do dia para noite jogaram a gente de uma clínica que a criança já estava tendo acompanhamento para uma clínica que a gente sequer sabia se tinha um especialista para trabalhar com autismo”, expôs.

Desistindo do diálogo, Karoline e outras mães fizeram uma denúncia no Ministério Público do Amazonas em meados de dezembro de 2022.

A primeira reunião sobre o caso ocorreu somente em fevereiro deste ano, em que houve acerto entre a Unimed e as clínicas.

“Eles se acertaram com a com as clínicas, fizeram lá um contrato de que iriam pagar tudo e remanejar a gente de volta para as clínicas que nós estávamos. Com a denúncia que fizemos, nós comprovamos por meio de fotos, vídeos, que lá não era adequado nesse local”, declarou Karoline sobre o remanejo para clínicas que indicavam não serem especializadas.

Entretanto, em junho de 2023, Karoline e o filho receberam o aviso da clínica de que os pagamentos não estavam sendo realizados.

A partir disso, ela contratou um advogado para garantir os tratamentos.

“Só quando você judicializa o caso é que parece que você tem um pouco de direito, porque até quando você judicializa você ainda tem que ficar cobrando aquilo que está na sentença, aquilo que está na liminar”, enfatizou.

“Mesmo pagando, você não consegue ser tratado com dignidade”

Karoline freire, mãe de apolo

Até o momento, Karoline contou que a clínica em que seu filho está realizando o tratamento já emitiu um aviso prévio sobre o atraso de pagamento pela Unimed.

“Já está todo mundo de novo com medo de ser suspenso o tratamento das crianças. De novo na mesma agonia que a gente estava no ano passado. Correndo risco de suspensão, regressão da evolução das crianças”, disse.

Caso da Gabrielle e do filho João

Gabrielle Peixoto paga um plano da Samel e também enfrenta dificuldades para conseguir um tratamento completo para o filho João, de 4 anos.

As mesmas queixas, como tempo insuficiente de terapia e falta de capacitação dos profissionais estão entre as reclamações.

Gabrielle alegou que a Samel forneceu um atendimento impróprio para crianças com autismo.

“A gente tentou fazer o atendimento pela Samel, só que eram consultas de trinta minutos e super rápidas. Eu lembro bem que a fonoaudióloga disse ‘terça que vem não vai ter porque tem outro paciente, então só vai poder ser na outra terça’. Ou seja, não tinha um dia bem fixo que o meu filho pudesse ser atendido, e ele precisa de um tratamento constante”, enfatizou.

Após isso, a Samel forneceu parceria com uma clínica que Gabrielle levava o filho, já previamente fora do plano.

Entretanto, ela conta que quando foi pegar uma guia para o tratamento, eles não estavam mais fornecendo.

A Samel passou a fazer novas exigências e que seu filho fosse atendido apenas pelos próprios médicos do plano.

“Eu estou com muito receio desse atendimento ser de novo um atendimento de trinta minutos horrível. Só que eles estão alegando que fizeram mudanças, mas a gente ainda não viu mudança nenhuma”, declarou.

Até o momento, João está recebendo apenas parte do tratamento necessário, com a fonoaudióloga e com a psicóloga.

Gabrielle continua judicializando o caso, indo atrás de outras sessões de terapia ocupacional, assistência terapêutica e psicomotricidade.

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Visão psicológica e jurídica do caso

De acordo com a psicóloga clínica Jéssica Vieira, o tratamento de autismo em crianças e adolescentes necessita de intervenções constantes de diversos profissionais.

“A não realização do tratamento, a interrupção ou um tempo prolongado até a próxima consulta dificultam de suma maneira a evolução positiva dos pacientes, uma vez que esses precisam manter-se em constante aprendizado cognitivo, de linguagem e motor”, explicou.

Além disso, Jéssica explica que é preciso manter os mesmos profissionais.

“O ideal é sempre manter os mesmos profissionais para facilitar a troca entre profissional e paciente, a confiança e um bom resultado”.

Um dos pontos mais importantes destacados pela psicóloga é o tempo de sessão nas terapias, ponto de destaque nas denúncias das mães.

“(O ideal é) estipular um tempo adequado nas terapias com fonoaudiólogo, psicologia e terapias ocupacionais, de no mínimo 40 minutos a 1 hora, tempo valioso para se conseguir êxito a longo prazo desses pacientes”.

Na maioria dos casos, como de Gabrielle e Karoline, o diálogo entre usuário e operadora de plano de saúde não resolvia mais o caso, então foi necessário judicializar a situação.

Para isso, o advogado Alexandre Torres esclareceu como a lei ampara essas mães e seus filhos.

De acordo com Torres, os pacientes autistas têm, acima de tudo, seus direitos protegidos pelas leis federais nº 12.764/12 , nº 13.146/15 e nº 8069/90.

A segunda lei, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevê o “direito à saúde” e, na última, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o direito de “serem assistidos em razão da limitação”.

“O direito à assistência e cobertura nos planos de saúde referentes à saúde mental da pessoa com deficiência é previsto na resolução da Agência Nacional de Saúde, não podendo ser impedida de obter atendimento nos planos de saúde em razão desta condição”, enfatizou.

Alexandre também relembra que se postergado ou recusado o atendimento a esses pacientes específicos, podemos ter um “ato ilícito indenizável”.

“Imaginemos um cenário em que o plano de saúde se recusa a fornecer tais serviços ou ainda, de forma não razoável, atrasa ou posterga o atendimento ao paciente portador de TEA, temos um chamado ato ilícito indenizável pela via dos danos morais”, disse.

Além disso, também “é uma obrigação ser requerida em juízo, inclusive em caráter liminar, dependendo da urgência, já que se trata de um direito à vida, saúde, todos decorrentes dos mandamentos constitucionais”.

O advogado ainda explica as opções do usuário do plano de saúde que, nesse caso, pode ter quatro opções:

  • custear por contra própria e requerer o dinheiro de volta;
  • socorrer-se do poder judiciário para obter de forma compulsória;
  • denunciar via Notícia de Fato ao Ministério Público, bem como na ANS.

Alexandre também enfatiza que a judicialização desses casos, comparado a emergência das situações, pode ir para dois caminhos: contratação de um advogado particular ou contactar a defensoria pública.

Entretanto, ao recorrer ao Estado, o tempo de espera pode ser maior, prejudicando ainda mais a urgência do tratamento de pacientes autistas.

“Muitas vezes, casos como esse de saúde pública ou até de saúde privada, não tem como você aguardar na fila da defensoria, se trata aí de caso de emergência, de saúde. Então não tem como esperar”, enfatizou.

“Isso tudo não aconteceria caso os planos de saúde seguissem de fato a lei, sem ganância, sem que eles não visassem apenas o lucro e não vissem como apenas mais um negócio, e sim como uma questão de saúde, uma questão de vidas humanas, de pessoas que dependem desse serviço para poder manter uma saúde adequada”.

Advogado Alexandre torres

Planos de saúde em silêncio

O Portal Norte entrou em contato com os dois planos de saúde, mas não conseguiu resposta sobre o assunto até a publicação desta matéria.

Ao entrar em contato com a Seguros Unimed, foi solicitado que contactássemos a Unimed Fama em específico.

No site da Unimed Fama, apenas é possível entrar em contato por meio de Ouvidoria, Call Center ou Atendimento ao Prestador.

Tentativas de ligações foram realizadas, mas sem sucesso no atendimento.

Também aguardamos posicionamento da Samel.