Mães e familiares denunciaram prováveis casos de violência obstétrica vivenciados no Hospital Municipal Deodato de Miranda Leão, do município de Autazes, no interior do Amazonas.

Os relatos vieram à tona após inspeção da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) na quinta-feira, dia 9 de maio. Entre os casos mais graves estão desde os direitos de parto negado, além de situações como estupros, óbitos fetais e maternos.

Segundo a defensora Caroline Souza, que coordena o Comitê de Enfrentamento à Violência Obstétrica no Amazonas, de todos os municípios do interior do estado que o comitê já visitou, Autazes precisa de modificações urgentes nos seus processos de trabalho.

“Dois casos graves ocorreram em 2022 e 2023, que nos impactaram muito, porque, quando falamos de morte materna, estamos normalmente falando de mortes que seriam evitáveis. Foram mulheres que morreram e que, se tivessem a assistência adequada, não teriam ido a óbito”, disse a defensora.

Mães eram submetidas à técnicas banidas

Além das péssimas instalações no hospital público, as mães eram proibidas de terem os partos assistidos com o acompanhante. Durante o nascimento do bebê, elas também eram submetidas a técnicas banidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde.

Uma dessas técnicas que provocou morte materna foi a realização da manobra de Kristeller. O procedimento é agressivo e consiste em pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê, o que pode causar lesões graves.

A jovem indígena, Vanderlane Mota da Silva, de 22 anos, sofre com dores após passar por esse procedimento no hospital municipal de Autazes há dois anos, quando deu à luz ao primeiro filho, Vinícius.

O bebê nasceu sem os movimentos de um dos braços por causa da manobra, que comumente resulta na lesão nos nervos do plexo braquial, que controlam os movimentos de ombros, braços e mãos.

Moradora de uma comunidade distante da sede de Autazes, Vanderlane se deslocou até a cidade para ter o filho, no dia 30 de abril de 2022, porque era o local mais próximo com uma melhor estrutura para a realização do parto.

Mães relataram humilhações e direitos negados – Foto: Divulgação/DPE-AM

Violência obstétrica e humilhação

Mãe de primeira viagem, Vanderlene não fazia ideia que passaria por um dos piores momentos da vida. Ainda no processo do parto, a jovem teve a negativa da presença de um acompanhante, direito que é assegurado em lei federal. 

“Eu pedi para que minha mãe entrasse e eles não deixaram. Trancaram a porta e deixaram ela do lado de fora. Enquanto isso, eles iam me amassando, sem minha autorização, chega me faltava o fôlego”, relembra.

Vanderlane contou que estava com dificuldades para ter o filho, mas os profissionais não explicaram o que seria feito.

“Eles falavam com grosseria, sem paciência, para eu fazer força. Aí, o médico chegou e viu que ele [o bebê] não ia sair e aí forçou, empurrou. No final, uma parteira falou: “vamos ver se daqui há um ano você não vai estar aqui de novo”.

De imediato, a jovem mãe não se deu conta de que o pequeno Vinícius tinha se machucado durante o procedimento. Foi a mãe dela, avó do menino, que percebeu algo diferente no dia seguinte ao nascimento.

“Ele não mexia. A gente achava que era por causa do soro. Mas aí, bateram o raio-x e deu para ver que o nervo estava estirado”, relata Vanderlane, que diz não ter dúvidas que a lesão tenha ocorrido durante o parto. “Eu bati ultrassom antes e estava tudo normal”, acrescentou.

Instalações foram inspecionadas pelos orgão público – Foto: Divulgação/DPE-AM

Instalações precárias

Logo após a audiência pública, as equipes do comitê se dirigiram até o Hospital Municipal Deodato de Miranda Leão. Segundo a defensora Caroline Souza, a estrutura da unidade é precária.

“Não tem um espaço adequado. Só tem uma sala de parto. Não tem a preservação da intimidade dessas mulheres. A secretária disse que há uma licitação para a construção, mas a estrutura atual é uma das piores, considerando os outros municípios já visitados, e que precisa de uma reforma urgente e imediata”, observou. 

O diretor da unidade, Januário Neto, reconheceu os problemas e se comprometeu a adotar as recomendações. Ele também disponibilizou prontuários de casos suspeitos de violência obstétrica e o resultado de sete sindicâncias. 

“Também solicitamos a divulgação ampla dos canais de denúncias da ouvidoria. E a instalação do comitê de investigação de óbito materno, para que o próprio município, a partir das mortes, faça sua investigação, identifique a causa da morte e trabalhe na melhoria dos processos para que se evite mortes”, concluiu a defensora pública.

Denúncias precisam ser registradas

Entre 2022 e 2023, a DPE-AM recebeu e apurou 197 denúncias de violência obstétrica. De acordo com a defensora pública Suelen Menta é necessário que as denúncias sejam formalizadas.

“Em caso de violência obstétrica, é necessário fazer a denúncia aos órgãos de controle, seja à  Defensoria Pública, mediante Boletim de ocorrência ou levando o fato ao conhecimento do Ministério Público. Só a partir da formalização dessas denúncias que os órgãos poderão agir”, enfatizou a defensora.

Com poucos recursos e informações, as mulheres que foram vítimas, não procuraram denunciar após o parto. Agora, com apoio da Defensoria Pública, elas vão atrás de uma reparação legal.

“Nós vamos começar a atuar nesses casos, vamos solicitar os prontuários e ver a possibilidade de solicitar as indenizações pertinentes”, adiantou o defensor público Murilo Monte, que atua em Autazes.

Mães e familiares se reuniram para relatar os abusos no hopistal de Autazes – Foto: Divulgação/DPE-AM