Os Movimentos e organizações sociais voltaram a cobrar nesta quarta-feira (17), celeridade na identificação e responsabilização do Massacre do Abacaxis.

O massacre ocorreu em agosto de 2020, na região dos rios Abacaxis e Marimari, entre Borba e Nova Olinda do Norte, a cerca de 130 km de Manaus.

Quatro ribeirinhos e dois indígenas Munduruku foram mortos a tiros durante uma ação policial deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM).

A ação ocorreu dias após o então secretário-executivo do Fundo de Promoção Social estadual, Saulo Moysés Rezende Costa, ser baleado enquanto pescava na região do Rio Abacaxis.

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Na época, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou que Costa pescava com um grupo de amigos perto de uma comunidade ribeirinha.

Após um desentendimento com lideranças locais que exigiam que o grupo deixasse a área por não ter licença ambiental para pescar no local, Costa foi atingido por um tiro no ombro.

Segundo a secretaria estadual de Segurança Pública informou pouco tempo depois, Costa registrou um boletim de ocorrência no qual relatou que as pessoas que abordaram a ele e a seus colegas portavam armas de fogo, facas e tochas.

Uma semana depois, a secretaria estadual de Segurança Pública deflagrou uma operação policial com a justificativa de combater o tráfico de drogas na região do Rio Abacaxis.

De acordo com a pasta, no segundo dia da ação, parte da força policial deslocada para a área foi emboscada e dois policiais militares – o terceiro-sargento Manoel Wagner Silva Souza e o cabo Márcio Carlos de Souza – foram mortos.

O ataque às forças de segurança motivou o governo amazonense a enviar reforços policiais para a operação.

Na época apuração dos crimes e, o governo mandou que o então comandante-geral da Polícia Militar, coronel Ayrton Norte, que se deslocasse para o local e só retornasse a Manaus “quando tiver uma resposta efetiva do que aconteceu”.

Cobrança por providências

A partir daí, segundo os movimentos e organizações sociais que assinam a nota divulgada nesta quarta, as forças de segurança deram início a uma “verdadeira operação de extermínio”, que resultou nas mortes a tiros de quatro ribeirinhos e de dois indígenas munduruku, além de dois supostos desaparecimentos até hoje não esclarecidos.

“A projetada retaliação [das forças de segurança amazonenses] resultou em uma desastrada ação armada, executada por uma milícia formada por policiais sem farda, dentre os quais dois foram mortos e outros dois feridos”, ressaltam as entidades signatárias do documento.

De acordo com os movimentos e organizações sociais, além das mortes e dos supostos desaparecimentos, dezenas de moradores da região foram agredidos e torturados durante as duas investidas policiais.

Investigação do Massacre do Abacaxis

Em meados de agosto de 2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública atendeu a um pedido da Polícia Federal (PF) e autorizou o deslocamento de efetivos da Força Nacional de Segurança Pública para Nova Olinda do Norte.

Oórgão tinha como missão de participar das ações necessárias “à preservação da ordem pública e da incolumidade [integridade] das pessoas e do patrimônio”.

A PF, por sua vez, instaurou um inquérito para apurar os fatos e identificar os responsáveis pelas mortes, agressões e outros crimes.

Indiciamento

Passados mais de dois anos e meio, a PF indiciou, em 28 de abril deste ano, o ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, e o ex-comandante da Polícia Militar, coronel Airton Norte, acusados de envolvimento na chacina.

Os investigadores concluíram que as tropas estaduais comandadas por Airton Norte invadiram casas sem ordem judicial, torturaram moradores e mataram os indígenas e ribeirinhos.

Sem resposta

Consultada pela Agência Brasil, a PF se limitou a responder que como as investigações correm em segredo de Justiça, não poderia se pronunciar sobre o assunto.

A reportagem também consultou a Secretaria de Segurança Pública, mas ainda não obteve respostas. Não conseguimos contato com Bonates e com Norte, nem com seus advogados.

Esperança

A Cúria da Arquidiocese de Manaus, os representantes das várias entidades sociais que acompanham o caso mencionam ter recebido com “alívio e esperança” a notícia do indiciamento dos “dois ex-integrantes da alta cúpula da segurança” do Amazonas.

“Reconhecemos a relevância destes indiciamentos por entender que a mão da Justiça começa a tocar as comunidades desta região, depois de tanto sofrimento presente nos corpos, na alma e na memória de quem viveu este massacre”, sustentam as organizações e movimentos, cobrando o aprofundamento das investigações e punição para os envolvidos.

“Só haverá justiça se os atuais indiciados forem regularmente responsabilizados na forma da lei e da Constituição. Só haverá justiça se os demais violadores forem identificados, individualizados e também indiciados na investigação que continua. Para isto, é fundamental que sejam concedidas todas as medidas judiciais necessárias para permitir as investigações imparciais, contando com a colaboração da Polícia Civil do Estado do Amazonas, que realizou investigações e pode ter provas capazes de contribuir com a investigação em andamento da Polícia Federal.”

As entidades também cobram o cumprimento da decisão judicial que determinou que fosse instalada uma base móvel da PF na região, como forma de conter a ação ilegal de garimpeiros e outras intimidações, ameaças e agressões contra os indígenas e ribeirinhos.

“Esta é uma região de conflitos de diversas naturezas e é dever do Estado garantir a segurança da população que tem sido vítima da violência e pede a presença e a proteção do Estado”, declarou Tiago Maiká Schwade, do Laboratório Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas.

Presente à apresentação da nota à imprensa, o arcebispo de Manaus, o cardeal Leonardo Ulrich Steiner mencionou que a iniciativa dos movimentos e organizações sociais mais de duas semanas após a notícia do indiciamento de Bonates e Norte se tornar pública busca conscientizar a sociedade sobre a importância de que a Justiça seja feita.

“Não faço parte [do grupo de entidades sociais signatários da nota], mas a Arquidiocese tem apoiado o coletivo, inclusive estando presente na região. Ressalto que houve um indiciamento, agora é necessário mais provas e, depois, do processo legal. Há diversos passos [legais a serem cumpridos] e o que esperamos é que o massacre seja investigado. A justiça precisa ser feita”, comentou o arcebispo.

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