Nailor Marques Júnior é um dos maiores especialistas em Machado de Assis e Augusto dos Anjos. Para o professor paranaense, Arte e Filosofia não são incompatíveis com o mercado de trabalho. Ao Norte Entrevista, o docente aposentado e palestrante autodidata comenta os rumos da Educação no país.
Aulas de gramática aos 14 anos
Nailor Marques começou a dar aulas de gramática ainda aluno – e nunca mais parou.
“Um amigo de escola começou a dar aulas de Inglês. Vi aquilo e pensei: “posso fazer isso”. Escolhi a Gramática, anunciei minhas aulas e logo apareceu a primeira aluna. Em seis meses já tinha cinco alunos, pagando mensalmente. Maior incentivo que receber dinheiro para fazer aquilo que se está gostando, é impossível. Essa fonte de renda ajudava e, aos dezenove anos, estava num cursinho pré-vestibular, logo na faculdade e o resto é história. Passei trinta e um anos na sala de aula.”
Educação e mercado de trabalho
Para Nailor Marques Jr., Arte e Filosofia têm tudo a ver com trabalho.
“Tem quem acredite que a escola ensina, e a família educa. Não é verdade. A escola ensina e a família também, ninguém educa, o processo é ensino e aprendizagem. Educação é o que sobra depois que esse processo termina. Não ir à escola formal prejudica muito o mercado de trabalho futuro. Veja minha biblioteca, continuo estudando. Nas minhas palestras, vendo conhecimento. Do nada ninguém tira nada. O ser humano é gregário, ele necessita de pessoas para viver. Não sabemos viver sozinhos”
Arte e filosofia
“O Homem Sapiens Sapiens é aquele que sabe que sabe. Descobriu a religião, a representação de sua própria existência através da arte pictórica e a posteridade – ninguém vai produzir uma obra de arte imaginando que vai morrer e a obra acabará junto com ele. Podemos falar de Machado de Assis aqui, ele continua tão vivo quanto estava no tempo dele. A escola é uma conquista recente, muito poucas pessoas tinham acesso a ela durante a maior parte da História da Humanidade. A grande revolução na educação acontece com a Revolução Francesa. Depois dela, quem não tinha título de nobreza também podia ir à escola.”
Inteligência Artificial
“O problema nunca vai ser a Inteligência Artificial, o problema sempre vai ser a burrice natural. Quem quiser se informar mais sobre as mudanças que estão acontecendo, recomendo muito a leitura do livro “Cérebro no Mundo Digital: Os Desafios da Leitura na Nossa Era”, de Maryanne Wolf.”
Augusto dos Anjos
“Falar de Augusto dos Anjos é sempre uma alegria. Parei de dar aulas em 2012, e ainda hoje encontro alunos que me contam aulas. Um que encontrei me mostrou uma tatuagem com uma estrofe de um poema de Augusto dos Anjos. Uma das missões da minha vida é manter viva a obra e o pensamento desse poeta, desse filósofo. Os que, como ele, falam da alma humana são os grandes. Eu me apaixonei pela obra dele com um livro que comprei numa banca de jornal. Comecei a tramar minha ida de Maringá até a Paraíba, onde ele nasceu. Fui com um amigo pegando carona em caminhão.”
Machado de Assis
“Ninguém se faz sozinho. Machado de Assis tinha tudo para dar errado: nasceu num país escravagista, mulato, pobre, órfão de mãe, nunca frequentou propriamente uma escola. Machado venceu as dificuldades da vida dele. Entrou numa tipografia aos quatorze anos, e começou a conviver com jornalistas. Estudioso, autodidata, conseguiu progredir. É preciso falar mais de Machado, Lima Barreto e Luiz Gama, eles enobrecem não somente a causa negra, mas a causa humana. Se Machado tivesse escrito em inglês, ele estaria no mundo todo pau a pau com Dostoievski, Flaubert, todos os grandes nomes da literatura.”
Geração de cristal e valores
“Rótulos são complicados. É preciso levar em conta muitos fatores, sociais, multiculturais, geográficos, para falar em gerações X ou Y ou o que for. Mas o que se vê hoje é o que se chama de Geração de Cristal, que são as pessoas que ficaram hipersensíveis, parece que se tirou a pele das pessoas, qualquer coisa dá choque. Só que o mundo não tem espaço para pessoas assim.”