O médico Manoel Francisco de Campos Neto atuou como legista na fronteira do Brasil com a Bolívia. Desse trabalho, surgiu o livro “Mulas Humanas – Suicidas em Potencial”. Ao Norte Entrevista, Campos Neto fala de sua experiência.

Mulas Humanas


“Mula humana é a pessoa que usa alguma parte do corpo para traficar drogas”.

Origem das mulas humanas


“Minha especialidade é ortopedia e trauma, mas trabalhei como legista na fronteira Brasil-Bolívia. Fiz uma entrevista com um boliviano de 16 anos preso por suspeita de porte de drogas, que começou a passar mal e vomitou duas cápsulas de cocaína. A partir disso, comecei a traçar o perfil dessas pessoas, cuja idade varia entre 16 a 45 anos, nenhum idoso foi registrado.”

Patrulhamento nas fronteiras

“A fronteira Brasil-Bolívia tem 986 km de extensão, e cerca de 150 policiais do Gefron*. A fronteira México-Estados Unidos tem 3141 km de extensão, e 23 mil policiais. Nossas fronteiras são altamente vulneráveis. A região de Mato Grosso é a segunda porta de entrada da paste base da cocaína.”  

Quantidade suficiente para uma overdose

“Há vários tipos de invólucros para as cápsulas, que tentam ludibriar a fiscalização. Recentemente, em Guarulhos, 19 mulas humanas foram presas, então isso não vai diminuir tão cedo. Quanto ao perigo da ingestão da cocaína, 1,2g de cocaína no corpo é suficiente para provocar uma overdose. Nessa pesquisa, encontramos pessoas com várias cápsulas dentro de seus corpos, inclusive uma MULA HUMANA de nacionalidade boliviana com 98 cápsulas de PBC (Pasta Base de Cocaína), com 22g cada, cerca de mais 2kg da droga em seu tubo digestivo.”

Casos com outras drogas

” A modalidade de transporte de drogas utilizando o corpo (as chamadas MULAS) é muito diversificada. Além de Bolívia, Peru e Colômbia também sofrem com os chamados andarilhos. As cápsulas de PBC (Pasta Base de Cocaína), dependendo do tipo de invólucro (motivo da minha pesquisa médica), por vezes só aparece com a utilização dos tomógrafos, será que todas as polícias de fronteira dispõem desse equipamento? Além disso, aqui só se pode remover o que estiver dentro de um indivíduo com a autorização deste, porque, pela nossa constituição, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. E o médico continua sem apoio legal para esses procedimentos”.  

“Um professor dizia que o cadáver conversa com o legista. Uma necrópsia é como abrir um livro. Não se deve lavar o corpo antes, qualquer detalhe pode contribuir para descobrir o que causou a morte.”  

“Escrevemos o Atlas de Medicina Legal – Guia Prático para Médicos e Operadores do Direito, em coautoria com o Prof. Dr. Dr. Jorge Paulette Vanrell (infelizmente falecido em 07/07/2023), levamos três anos e meio para terminar. Obra única no Brasil em 2 volumes, com 30 capítulos, mais de 1.700 páginas, superando cinco mil imagens em alta definição, que ilustram os mais diversos pontos importantes da Medicina Legal, cujas imagens respeitam SEMPRE a técnica de DESIDENTIFICAÇÃO prevista para as publicações médico-científicas. Esse Atlas de Medicina Legal se baseia nos quarenta e um anos em que estive com a família, na região Oeste de Mato Grosso. Ocorre, porém, que uma advogada alegou ter reconhecido a orelha do seu pai numa das fotos do livro, e entrou com um processo de indenização contra os autores. Até hoje ainda não houve solução jurídica para o caso, que agora está no (STF) Supremo Tribunal Federal, pois será julgada a “REPERCUSSÃO GERAL”, situação que, dependendo da sentença, poderá retroceder em 20 anos, não só a Medicina Legal, mas também outras especialidades médicas que se utilizam de imagens para divulgação de seus casos (conhecidos como Antes e Depois), principalmente em Obras Médicas Literárias, trabalhos médico-científicos e até mesmo em uso de slides para suas aulas em Faculdades de Medicina e de Direito, INFELIZMENTE! E o pior, algumas das Faculdades de Medicina e do Direito em nosso País estão retirando de suas grades curriculares a cadeira de Medicina Legal/Forense! Enquanto o STF não julgar, o Atlas de Medicina Legal não poderá ser utilizado para adestramento/ensino dos acadêmicos de medicina, dos futuros médicos legistas, acadêmicos de Direito, dos advogados, inspetores e Delegados de Polícia (Civil e Federal), e até como fonte de pesquisa por Promotores, Defensores, Juízes, Desembargadores e até os Próprios Ministros, entre outros. E mais uma vez o pior, se porventura houver algum tipo de divulgação de venda, seremos punidos com multas diárias de R$2.000,00.”

*Grupo Especial de Fronteira