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Tecnologias influenciam senso de coletividade e papel social nas crianças, diz psicanalista

Crianças desenham o que esperam para o Futuro - Montagem: Portal Norte

Crianças desenham o que esperam para o Futuro - Montagem: Portal Norte

No Dia das Crianças, comemorado nesta quinta-feira (12), o Portal Norte reuniu desenhos produzidos por crianças, com idade entre 3 e 10 anos. Elas fazem projeções para o que elas pensam sobre o futuro delas, de suas famílias e da humanidade em geral.

Paralelo a isso, conversamos com o psicólogo clínico, psicanalista e perito em avaliação psicológica Jordan Rafael de Menezes Sousa para abordagem sobre a atividade e os diferentes aspectos que retratam o mundo infantil na atualidade.

Psicólogo e psicanalista, Jordan Rafael de Menezes Sousa – Foto: Reprodução/Instagram @menezes_psicanalise

Ele chama atenção para a tecnologia dos dias de hoje que também ajuda no senso do coletivo e papel social e que estão presentes nas obras de artes dos pequenos. Além disso, Jordan destacou pontos importantes para entender a criança da atualidade e como colaborar para um desenvolvimento menos vulnerável a traumas.

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Desenhos

Sob orientação de seus respectivos responsáveis, a criançada projetou o que pensa acerca do futuro do planeta e como acredita que vai estar no futuro. Brincando ou já esboçando pensamentos críticos, eles toparam o que consideraram ser também uma diversão.

O dinossauro do César

Com apenas 3 anos de idade, o pequeno César Maquiné não teve dúvida em dizer o que queria ser.

Ele fez questão de usar sua lousa mágica, dispensou papel ou lápis.

“Eu quero ser um dinossauro”, disse empolgado.

Foto: Arquivo Pessoal

Planeta da Ana

Ana Safira Figueiredo, de 4 anos, desenhou o planeta Terra cercado dos colegas. Segundo ela, os amiguinhos seriam da escola dela.

“O planeta Terra pode ser casa e escola, não pode quebrar árvores na natureza, porque [a natureza] vai ficar triste”, disse Safira.

Foto: Arquivo Pessoal

Adryan e as múltiplas profissões

O Adryan Benjamim Oliveira, de 5 anos, desenhou sobre possíveis profissões que ele deseja seguir.

“O que eu quero ser no futuro é o que eu desenhei lá que é o policial, o salva-vidas, o construtor, o homem do lixeiro, né, também o médico, e também o piloto de helicóptero, tudo isso. E também para ajudar todas as pessoas e dar salva-vidas”, disse Benjamim.

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

A desenhista Ana Eliza

Ana Eliza Madureira, de 10 anos, também desenhou sobre seu futuro profissional e sobre com quem quer estar nele.

“Eu quero ser desenhista porque eu gosto de desenhar e também eu quero bastante tempo para curtir com as minhas amigas e tomar chocolate quente, se fizer frio de novo, né”, disse Ana.

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

A sustentabilidade idealizada por Sarah

Sarah Giovana, também de 10 anos, desenhou sobre a preservação do meio ambiente e deixou uma mensagem para adultos e crianças.

“Eu fiz um desenho falando sobre a importância do meio ambiente, que é muito importante cuidar do meio ambiente e proteger a sua cidade e o seu país. Muito importante também para o futuro de outros que virão”, disse Sarah.

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Raio-X dos desenhos

Segundo o psicólogo e psicanalista Jordan Sousa, os desenhos demostram senso de coletividade, responsabilidade e papel social que precisam empenhar na sociedade.

“Os desenhos são dotados de boa qualidade, detalhados, tanto em traçado quanto em cor, e todos eles explicitam um contexto, deixando clara a vontade da criança em demonstrar sua lógica de mundo. No geral, os desenhos apresentam senso de coletividade, responsabilidade e cuidado, não apenas ao nível humano, mas também, ambientalmente, todos eles estão pintados, configurando assim o fato de estarem emocionalmente conectadas com aquilo que acreditam e sentimentalmente organizadas. Além de estar muito bem representado em cada desenho, a ideia de responsabilidade sobre o papel social que podem desempenhar. Não há traços que denotem nenhuma instabilidade clínica, aparentemente as crianças são suficientemente saudáveis”, comentou.

Tecnologias e influências do mundo

Jordan também relata que o uso de tecnologias influenciam diretamente na linha de pensamento do público infantil.

“Primeiro, temos que considerar um dos principais fatores da modernidade que influenciam diretamente na dinâmica psicológica do público infantil, a tecnologia. Os padrões neuropsicológicos das crianças desta geração, em específico dos últimos 10 anos, são completamente diferentes das crianças de 20 anos atrás ou mais”, relatou.

O uso expressivo das tecnologias faz com que as crianças tenham um amadurecimento neurológico precoce.

“Atualmente, temos uma maturação neurológica precoce nas crianças por excesso de estimulação visual e auditiva oriunda da tecnologia, ocasionando já desde tenra idade, um conjunto de pequenas alterações que implicam na percepção da criança sobre o mundo e necessariamente na interação dela com pessoas, objetos e ambientes. Exemplo: uma criança que atendi com 8 anos, era capaz de ficar mais de 6 horas seguidas jogando em um computador, mas não conseguia ficar 1 hora para estudar. Em ambos os casos, a área de atenção e concentração era usada, mas, em apenas um dos casos, se sentia prazer na atividade”, explica.

O mundo das crianças, atualmente, é muito diferente nesta década. Elas estão sendo estimuladas, cada dia mais cedo, com telas tecnológicas que alteram o desenvolvimento delas.

“Cada vez mais atendo crianças com o pensamento empobrecido, acelerado e com capacidade criativa deficitária. O excesso de tecnologia e a ausência de um brincar mais pautado no mundo real (brincadeiras coletivas, brinquedos tradicionais) está estimulando a criação e o desenvolvimento de crianças com pouca capacidade de interação com o mundo aqui fora, emocionalmente vulneráveis e desorganizadas, uma vez que a personalidade delas, em boa tarde do dia, está sendo pautada em um universo que não existe aqui, somente na tela de algum aparelho. Os desenhos e falas encontrados no dia a dia do consultório, geralmente não possuem cor, sentimentos e emoções pouco desenvolvidas, tem tracos empobrecidos (psicomotricidade e criatividade abaixo do esperado, geralmente fazem apenas aquilo que é solicitado (pouca criatividade e baixo interesse pelo mundo real), mesmo deixando aberto que pode desenhar mais coisas no papel. Chamamos a análise de desenhos de avaliação projetiva, onde a criança desloca para o papel as vontades, desejos e raciocínios dela, conscientes e inconscientes e, nos casos mais graves, focamos até mesmo em partes clínicas que possam se configurar como algum sintoma no qual ela esteja comunicando”, observa.

Percepção infantil

O psicólogo relata que, ao mesmo tempo que o mundo tem estimulado o desenvolvimento de crianças mais aptas a pensar sobre o mundo, ele está também estimulando crianças a desacreditarem no próprio mundo.

“Se olharmos para o ponto de que conforme o tempo vai passando, a civilização está se tornando mais moralizada, estimulando comportamentos e pensamentos mais próximos de um ideal (solidariedade, senso de coletividade, responsabilidade afetiva e etc.), sim, neste caso, estamos diante de tempos de mudanças de pensamento e de conduta. Mas quanto à expectativa, tenho minhas dúvidas, pois atualmente o mundo se tornou um ambiente muito volátil, onde as incertezas estão cada vez mais potentes, e as certezas têm se afundado em um mar de inseguranças e fantasias”, explanou.

Jordan também ressalta que na vida atual, ao mesmo tempo em que há casos de crianças que não conseguem sobreviver ou sair ilesa das atitudes do mundo, há casos de crianças bastante inteligentes, carismáticas e solidárias.

“Infelizmente, a evolução social é uma faca de dois gumes, onde tem seus aspectos negativos e positivos”, destaca.

Papel dos pais x realidade atual

Questionado sobre o papel dos pais na orientação das crianças frente a esta realidade, o psicólogo relembra Freud. Para ele, “o princípio psicanalítico para uma criação de boa qualidade deve estar conectado com o fato da criança desenvolver a capacidade de sentir que existe”.

“Os pais devem ter a sensibilidade e a paciência de lembrar que as crianças são crianças e precisam de uma atenção de qualidade. Atenção esta suficiente para que ela mesma se sinta ali, parte da vida em família e parte das relações, pois, para o Freud, só temos a sensação de que existimos se o outro nos olha, então a sensação de existir estar intrinsecamente conectada com o fato da criança ser assistida”, declarou.

Jordan Souza também reforça a necessidade de tornar a qualidade da atenção maior, o que, de acordo com ele, “evita sensações de abandono e desamparo e evita dificuldades da criança de se conectar emocionalmente com outras pessoas”.

“Evita a sensação de que ela está sozinha no mundo e, por isso, deve resolver as coisas por si só, evita certas carências afetivas que podem mais tarde ser ativas em relacionamentos, diminui também as ansiedades da criança”, pontou.

Responsabilidade precoce

Uma outra orientaçao de Jordan diz respeito a responsabilidades precoces. Muitas vezes, a criança convive com cobranças excessivas que alteram o aproveitamento da infância.

“Permitir que a criança seja criança, não introduzindo um excesso de responsabilidades que podem impedir ou interromper a infância. Sabemos que é comum hoje em dia a criança ser submetida a varias aulas, cursos, hobbies forçados, e uso excessivo de tecnologia. Então permita que a criança tenha uma rotina que seja suficiente para ela se desenvolver sentindo-se como criança”, orientou.

*Matéria de Ana Kelly Franco e Francisco Santos

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