No dia 17 de julho de 2007 quando o Airbus A320 da TAM [hoje Latam], que vinha do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, aproximadamente 18h48, tentou pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A pista estava molhada e, por causa de uma reforma recente, ainda estava sem grooving, que são as ranhuras que facilitam a frenagem do avião.
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A manobra para o pouso não foi bem sucedida: o Airbus acabou atravessando a pista e batendo em um prédio de cargas da própria companhia, que ficava em frente ao aeroporto paulistano. Com o choque, o avião acabou explodindo e pegando fogo. Aquele acidente, que neste domingo, 17, completa 15 anos, provocou a morte de 199 pessoas, 12 delas em solo.
Passados 15 anos, ninguém foi responsabilizado ou cumpriu pena pelo acidente. Em 2015, a Justiça Federal acabou absolvendo a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu, o então vice-presidente de operações da TAM, Alberto Fajerman, e o diretor de Segurança de Voo da empresa na época, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, que haviam sido denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por “atentado contra a segurança de transporte aéreo”, na modalidade culposa. Para a Justiça, os réus não agiram com dolo (intenção).
Há anos, a falta de punições pelo acidente se tornou uma marca profunda para as famílias das vítimas. Isso é o que contou o jornalista Roberto Corrêa Gomes, 66 anos, que perdeu o irmão Mário Corrêa Gomes no acidente.
“Os punidos maiores foram as vítimas que morreram e os condenados foram seus familiares, que ficaram sem seus entes queridos e não viram justiça”, falou ele, em entrevista.
Seu irmão Mário tinha 49 anos na época e era um empresário gaúcho do ramo publicitário, divorciado e sem filhos. “Ele era um jovem empresário gaúcho, muito bem-sucedido, muito premiado no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Ele só tinha cursado o ginásio [atualmente o fundamental]. Mas ele era brilhante, muito inteligente. Ele tinha ideias revolucionárias”, contou Roberto. “Éramos uma família de sete irmãos. Nossa mãe tinha falecido um ano antes, em 2006”.
No dia do acidente, Gomes estava em sua residência, em Porto Alegre, trabalhando. E a primeira informação que recebeu sobre a queda do avião chegou pela TV, em casa.
“Naquele dia estavam acontecendo os Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro. E eu estava no meu escritório e ouvi uma chamada, na TV Bandeirantes, de que iriam entregar medalhas para alguns atletas brasileiros. E eu pensei ‘vou ver nossa gurizada ganhar medalhas’. Parei a matéria que estava escrevendo e fui para o quarto ao lado, que é a minha sala de televisão. Só que quando eu entrei no quarto, trocou a imagem. Saiu a imagem dos jogos e entrou a imagem daquele avião, contra o prédio. E entrou a voz do apresentador dizendo que um avião de carga, proveniente de Porto Alegre, havia se chocado contra o prédio da TAM Express. E um minuto depois ele corrigiu: ‘Não, não. A informação que está chegando é que é um avião de passageiros e não sabemos o número de vítimas’”.
“Era de tardezinha e eu sabia que o Mário naquele dia ia para São Paulo. Aí eu liguei para o meu irmão caçula e perguntei: ‘O Mário foi para São Paulo?’. E ele respondeu: ‘Foi, Beto. Estou indo para o aeroporto’. E eu disse: ‘Passa aqui e me pega’. A gente gelou. Deu um frio na espinha, uma sensação terrível. No trajeto para o aeroporto [de Porto Alegre], eu fui tentando ligar [para o Mário], mas só dava caixa postal. E aquilo era uma aflição. E quando chegamos no aeroporto, começou o pesadelo”, narrou.
A confirmação pela TAM de que o irmão estava naquele voo só chegou a eles de madrugada. “Só às 2h da manhã do dia 18 que foi divulgada a lista. Até então, nossa esperança era que ele tivesse embarcado em outra aeronave, descido em Guarulhos, ficado sem bateria ou que tivesse descido em Viracopos, estivesse ainda sobrevoando… A gente se apega a tudo. Mas infelizmente ele estava no voo”.
Mário tinha embarcado de Porto Alegre para São Paulo para assinar o contrato de locação de uma casa e também para assinar um contrato com um cliente. A intenção do empresário, naquele momento, era se mudar para São Paulo, onde estavam a maioria de seus clientes. Talvez, por isso, alguns dias antes da viagem, ele reuniu os irmãos em sua casa, sem aparentemente um motivo especial.
“No domingo anterior ao acidente, ele fez um churrasco e reuniu os irmãos. Eu até tinha achado estranho ele fazer esse churrasco. Ele reuniu os irmãos na casa dele, fez um churrasco e, sei lá, parece que ele estava se despedindo”, disse.
Associação
Logo após o acidente, as famílias das vítimas decidiram criar uma associação. Ela ajudaria não só as famílias a enfrentar e dividir as dores daquele período de luto como também a pressionar as autoridades sobre as investigações daquela tragédia.
A Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ3054 (Afavitam) foi criada em outubro daquele mesmo ano. O jornalista se tornou uma espécie de assessor de imprensa voluntário, ajudando a aproximar os jornalistas dos parentes das vítimas.
“Eu pensei: vamos precisar da imprensa porque essa história aí vai longe. O maior acidente da aviação brasileira não termina em um mês. Nós precisamos da imprensa, senão seremos sofridos e também invisíveis”, refletiu na época. Foi assim que ele passou a exercer essa função de forma voluntária para a associação, que se tornou para ele uma nova família.
“Viramos uma grande família. Sou de uma família de sete homens e, agora, somos seis. Essa família está incompleta, mas eu acabei ganhando irmãs, sobrinhas e outros irmãos. Viramos uma grande família. Quem participou da associação, se fortaleceu. Mas aquele familiar que se recolheu em casa e não participou de nada, ficou com aquela dor só vendo as coisas pela televisão – aquele sofreu muito mais”, disse ele.
Nestes anos todos, os membros da associação continuaram tendo que lidar com novas perdas. No final do ano passado, por exemplo, um dos seus membros mais ativos faleceu: o vice-presidente da Afavitam, Archelau de Arruda Xavier, que havia perdido a filha Paula Masseran de Arruda Xavier no acidente aéreo. Archelau deu entrevista à reportagem da Agência Brasil em 2017, reclamando já naquele ano da falta de punições.
“A gente vai morrer com essa tristeza. Onde mais dói é ver a minha mulher sentindo falta, os irmãos sentindo falta dela. A segunda coisa que dói muito é ver que a justiça não aconteceu”, lamentou à época.
“Tem famílias que superaram, conseguem hoje pensar melhor. Eu ainda me emociono quando vejo matérias [sobre o acidente]. Mas tem gente que está doente. Tem gente que nunca se recuperou. Há uma mãe, inclusive, que já deu entrevista no passado e agora está proibida por médicos de fazer isso, tal o dano que ela tem até agora com a perda da filha”, contou Gomes.
Causas do acidente
O acidente foi investigado por três órgãos. Um deles, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica, concluiu que uma série de fatores contribuíram para a tragédia.
O relatório do Cenipa constatou, entre vários pontos, que os pilotos movimentaram, sem perceber, um dos manetes [que determinam a aceleração ou reduzem a potência do motor] para a posição idle (ponto morto) e deixaram o outro em posição climb (subir).
O sistema de computadores da aeronave entendeu, equivocadamente, que os pilotos queriam arremeter (subir).
O documento também relata que não havia um aviso sonoro para advertir os pilotos sobre a falha no posicionamento dos manetes e que o treinamento da tripulação era falho: a formação teórica dos pilotos, pelo que se apurou na época, usava apenas cursos interativos em computador.
Outro problema apontado é que o copiloto, embora tivesse grande experiência, tinha poucas horas de voo em aviões do modelo A320, e que não foi normatizada, na época, a proibição em Congonhas de pousos com o reverso (freio aerodinâmico) inoperante [ponto morto], o que impediria o pouso do avião nessas condições em situação de pista molhada.
O Cenipa, no entanto, não é um órgão de punição, mas de prevenção. Ele não aponta culpados, mas as causas do acidente. O relatório sobre o acidente, portanto, dá informações e 83 recomendações para que tragédias como essa não se repitam.
Esse relatório feito pela Aeronáutica contribuiu para outras duas investigações, feitas pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, que levaram, no entanto, a conclusões bem diferentes sobre os culpados.
Indiciamentos
A Polícia Civil decidiu indiciar dez pessoas pelo acidente, entre elas funcionários da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da companhia aérea TAM. Após o indiciamento policial, o processo foi levado ao Ministério Público Estadual, que incluiu mais um nome e denunciou 11 pessoas pela tragédia.
No entanto, essa denúncia da promotoria não foi levada à Justiça estadual. O processo acabou sendo remetido ao Ministério Público Federal (MPF) porque, no entendimento do promotor, o caso se tratava de crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo, de competência federal. Com isso, a Polícia Federal começou a investigar o caso e, ao final desse processo, decidiu indiciar apenas os dois pilotos, Kleyber Lima e Henrique Stefanini Di Sacco, pela tragédia.
“Foi uma conclusão covarde, conveniente: os mortos são os culpados. Os familiares nunca aceitaram essa versão de que os pilotos eram os culpados. No máximo, que eles foram induzidos ao erro”, defende Gomes.
O inquérito da Polícia Federal se transformou em denúncia e, nesse documento, que foi aceito pela Justiça, o procurador Rodrigo de Grandis decidiu, ao contrário do indiciamento feito pela Polícia Federal, denunciar três pessoas pelo acidente: Denise Abreu, Alberto Fajerman e Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, que acabaram sendo absolvidos pela Justiça.
“E aí a Justiça, na primeira instância, absolveu eles. Houve recurso para a instância superior, que manteve a decisão do juiz de primeira instância, absolvendo os réus. Ou seja, os condenados acabaram sendo as vítimas e seus familiares”, falou o jornalista.
Em 2017, o Ministério Público Federal informou que não iria recorrer da decisão que absolvia os réus.
Homenagens
Neste domingo, diversas famílias voltarão para os aeroportos de Porto Alegre e de São Paulo para prestar mais uma homenagem aos mortos.
Em Porto Alegre, às 14h, familiares, amigos, representantes religiosos e autoridades se reúnem no Largo da Vida, uma rotatória próxima ao Aeroporto Internacional Salgado Filho. Nesse mesmo dia, às 18h, uma missa será celebrada em memória das vítimas na Catedral Metropolitana de Porto Alegre.
Já em São Paulo, as famílias se reunirão de manhã, a partir das 9h, no Memorial 17 de Julho, local onde o acidente ocorreu.
O Memorial será decorado com pássaros confeccionados e que serão colocados embaixo do nome de cada vítima. Ao longo do dia, familiares irão ao local para levar flores e dedicar suas orações e pensamentos aos seus entes queridos.
Posicionamento da Latam
Em contato com a Agência Brasil, a Latam Airlines declarou que “se solidariza com todos aqueles que foram afetados por este acidente há 15 anos.” E disse que: “Embora consciente de que nada poderá compensar as perdas, a companhia se empenhou, desde o primeiro momento, em apoiar os familiares de todas as maneiras e concluir o mais rápido possível o procedimento de indenização.”
Segundo a empresa, a maioria dos familiares das vítimas foram indenizados. Uma família ainda segue com ação em andamento. A Latam informou ainda que não divulga valores das indenizações por questões de segurança e de privacidade dos próprios familiares.
A companhia disse também que, na época do acidente, apoiou as famílias com hospedagem, transporte, alimentação, ligações, assistência religiosa e psicológica, concessão de planos de saúde, contratação de empresa para a organização dos funerais, reembolso de despesas, entre outros.
Segundo eles, “Em muitos itens as ações da empresa foram além dos padrões de assistências internacionais, como por exemplo o apoio psicológico estendido por 2 anos”.
Perguntada sobre mudanças nos procedimentos para evitar novas tragédias, a empresa disse que, antes de cada pouso, os pilotos obrigatoriamente devem consultar o Manual de Rotas e Aeroportos (MRA) da companhia para verificar as restrições específicas de cada aeroporto, aumentando a margem de segurança da operação. Além disso, caso ocorra a falha do reversor durante o voo, por regra, o piloto obrigatoriamente deve alternar para algum aeroporto onde não haja a restrição de pouso com esta falha.
A empresa também citou a adoção do Electronic Flight Bag (EFB), ferramenta que substituiu os manuais de consulta dos pilotos na cabine.
Segundo a companhia, o EFB é basicamente um tablet que permite cálculos muito mais precisos utilizando aplicativos do próprio fabricante da aeronave, permitindo aos pilotos calcular em tempo real, de dentro do cockpit, a performance da aeronave mediante as constantes variações das condições do ambiente e da aeronave como: pista seca ou molhada, peso da aeronave, direção e intensidade de vento, temperatura, altitude da pista entre outros.
A companhia ressaltou que uma Instrução de Aviação Civil emitida pela ANAC em 2008 proibiu a operação de pouso e decolagem nas pistas do Aeroporto de Congonhas em caso de inoperância dos sistemas que comprometam a performance de frenagem da aeronave, tais como qualquer superfície de comando, freio e reverso.
“Isso é válido para todas as empresas que operam naquele aeroporto”, disse em nota.
Segundo eles “Hoje a aviação mundial possui regras e protocolos globais rígidos de segurança e prevenção, o que fez com a média anual de acidentes aérea caísse mais de 60% desde então. Internamente, revisamos nossos procedimentos com o objetivo de atuarmos de uma maneira ainda mais planejada e coordenada.”, concluiu.
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