O número de botos mortos na Amazônia em 2023 levantaram questionamentos sobre o futuro da espécie. Com a seca de 2024, que avança mais veloz que a anterior, as mortes revelam o centro da ameaça a biodiversidade: as mudanças climáticas.
As alterações anormais no clima intensificam a estiagem na região, como os recordes de 2023, e contribuem para o superaquecimento das águas. Portanto, essas mortes não são apenas uma estatística; elas servem como um alerta sobre a deterioração do meio ambiente.
O bem-estar dos botos, considerados os “sentinelas das águas”, reflete o equilíbrio dos habitats. Desse modo, a morte desses animais, que dependem diretamente de condições adequadas, indica anormalidades na qualidade de seus territórios.
No ano passado, Tefé e Coari registraram cerca de 330 botos mortos, ambos conectados ao rio Solimões, localizado na Amazônia. As mortes foram causadas pelas altas temperaturas da água, que chegaram a 40 graus em alguns momentos.
Botos mortos em 2024: como está cenário atual?
Quanto ao cenário atual de botos mortos em 2024, a pesquisadora Miriam Marmontel, do Instituto Mamirauá, afirma não haver mortes associadas ao estresse térmico até o momento. Entretanto, reforça o registro de “diversas” mortes por ações humanas.
Até o momento, o monitoramento do instituto registra 23 botos mortos no seu radar. Do total, 19 são botos-vermelhos (ou bota-rosa) e 4 são tucuxis. As carcaças seguem para necrópsia, onde investigaram os óbitos.
Em 2023, entre os dias 23 e 25 de setembro, em apenas três dias, a fiscalização revelava 24 mortes derivadas das altas temperaturas das águas.
Ademais, neste ano, a seca segue potencializando as mortes.
Com níveis abaixo do normal, acidentes entre humanos e animais ficam mais fáceis de acontecer. A pesquisadora cita a proximidade como fator de risco. A calha do médio Solimões registrou a pior cota de todos os tempos na última quarta-feira (25), atingindo 7,39 cm de profundidade.
Proximidade dos animais com humanos
O criador de conteúdo Manoel, também conhecido como “Menino do Caniço”, retrata a proximidade com peixes durante a seca. Segundo ele, nesse período de vazante dos rios, a presença de botos e cardumes é bastante comum.
“Essa época está passando bastante peixe aqui, todas espécies de cardumes, é normal. Dá muito boto aqui nessa época de seca, eles ficam pegando os peixes de cardumes grandes”, disse.
Manoel, de 22 anos, mora na costa do tabocal, localizado à margem esquerda do Rio Amazonas, na comunidade São Raimundo. Em seu YouTube, ele compartilha a sua rotina de “pesca ribeirinha”. Em 2023, ele viralizou salvando um boto filhote.
De acordo com dados da Defesa Civil do Amazonas, registrados na última terça-feira (26), a calha do médio Amazonas apresentou um nível de 1,97 cm e mantém-se nesse volume ao longo dos dias. Para contextualizar, a pior contagem ocorreu em outubro de 2023, quando o nível registrou 1,61 cm.
Por outro lado, o baixo Amazonas já apresenta uma marca de -1,05 cm desde quinta-feira (26). Comparando com os dados anteriores, a cota mínima foi também em outubro de 2023, quando atingiu -2,17 cm.
Apesar das pescas tradicionais ribeirinhas, os baixos níveis potencializam práticas ilegais de pesca, que focam em espécies ameaçadas na Amazônia e a morte desenfreada de animais.
Pescas ilegais
O diretor de fiscalização ambiental do Ibama, Johnatan Santos, alerta para a caça e pesca ilegal de espécies ameaçadas na Amazônia. Ele explicou que, devido à baixa das águas, a captura ocorre com mais facilidade. Um exemplo recente foi a apreensão de um peixe-boi-da-amazônia abatido no Rio Tefé, além da apreensão de 422 kg de carne de pirarucu vendida ilegalmente na Feira Municipal de Tefé.
Santos alertou que a crescente atividade predatória pode levar à extinção de espécies, causando um desequilíbrio significativo no ecossistema aquático. Organizações não governamentais e o ICMBio também denunciaram caça e pesca ilegais, resultando em autuações que totalizam R$ 12 mil.
O Ibama monitora a qualidade da água e a temperatura dos rios, enquanto realiza fiscalização em áreas de maior risco.
Qual a diferença entre as secas passadas e as atuais?
Miriam Marmontel ressalta que “houve registros de botos mortos durante secas normais” por conta da atividade de pesca. Além disso, a morte de outros animais costuma acontecer nessa época, como de peixes-bois.
“Peixes-boi são conhecidamente abatidos durante períodos de seca por refugiarem-se em poços profundos conhecidos dos pescadores locais; também costuma ocorrer morte de peixe-boi por falta de alimento vegetal e ingestão de material do fundo do lago”, explica.
A diferença de 2023 e 2024 está no volume e na origem das mortes. Desta vez, elas refletem índices anormais de volume e temperatura. Além das altas temperaturas registradas diariamente, a estiagem ainda contribuem para o superaquecimento das águas.
Superaquecimento das águas
Dados inéditos revelam que 23 lagos monitorados, dos 60 existentes, estão com temperaturas acima da média dos últimos cinco anos para o mês de agosto. Além disso, na última segunda-feira (23), 12 desses 23 lagos já superaram as temperaturas observadas em 2023. Os índices são do WWF-Brasil e MapBiomas.
No ano passado, segundo o Instituto Mamirauá, as águas chegaram ao pico, registrando 40 °C. Para fiscalizar cenários similares, aplicaram ferramentas de monitoramentos destes lagos vulneráveis. Constantemente coletaram dados sobre temperatura e disponibilidade de água.
Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água, explica que a plataforma utiliza dados de duas fontes de sensoriamento remoto: o sensor Modis, do satélite Terra, e o sensor TIRS, do satélite LandSat.
A equipe analisa um histórico de cinco anos de temperatura, utilizando principalmente os dados de 2023, ano crítico pela morte de botos. No lago Tefé, onde 209 botos morreram em 2023, as temperaturas atuais estão 0,8 °C acima da média dos últimos cinco anos e 0,2 °C acima de 2023.
Há risco de extinção dos botos?
A classificação internacional revela que, tanto o boto-rosa, como o tucuxi, aparecem ameaçados de extinção. Em caso de “perdas significativas”, que “ultrapassem a capacidade de reposição”, há a probabilidade de que essas espécies desapareçam.
“Perdas significativas de população, que ultrapassem a capacidade de reposição das espécies, podem levá-los a uma categoria mais alta, a de criticamente ameaçada, e, portanto, a maior probabilidade de extinção no futuro”, diz, a pesquisadora Miriam Marmontel.
Afinal, que isso significaria para o ecossistema? Essas mudanças, como qualquer outra na fauna, podem levar a um desequilíbrio ecológico.
Os botos desempenham um papel importante na cadeia alimentar como predadores. Sua ausência poderia levar ao aumento descontrolado de algumas populações de peixes e outros organismos aquáticos.
Além disso, extinção de uma espécie pode afetar outras espécies que dependem dela, seja como presas, competidores ou parte de interações ecológicas. Isso pode levar à redução da biodiversidade na região.
Como isso afeta os humanos?
O fim da espécie traz, além da perda significativa da fauna amazônica, consequências culturais. Para algumas comunidades ribeirinhas, os botos têm significados culturais e espirituais importantes.
Sua extinção poderia resultar na perda de tradições e práticas culturais, além de impactar atividades econômicas, como o turismo.
Ademais, a extinção da espécie sinalizaria para uma possível degradação do ambiente aquático. Neste contexto, acionaria um alerta para as demais vidas da água.
“As mortes dos botos, considerados sentinelas, apontam para algo muito errado acontecendo com o ambiente, que pode vir a impactar toda a fauna aquática associada, inclusive os humanos”, diz Miriam.
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