Em poucos minutos, ao passar os olhos por sites de notícias, é possível encontrar inúmeras manchetes relatando acidentes de trânsito.
No Distrito Federal, pelo menos 255 pessoas perderam a vida em decorrência de sinistros no trânsito em 2023, posicionando a capital federal como uma das regiões com maior número de fatalidades no país.
Esses dados são parte do Mapa da Segurança Pública 2024. Além do DF, São Paulo e Rio de Janeiro também se destacam no ranking, com 636 e 600 mortes no trânsito, respectivamente.
Em todo o território nacional, foram registradas 23.732 mortes em acidentes de trânsito no último ano, o que equivale a uma média assustadora de 65 vidas perdidas por dia nas estradas brasileiras.
Embora o número seja expressivo, ele representa uma leve redução em relação a 2022, que contabilizou 24.295 óbitos.
Mesmo com a ligeira queda, o Brasil ainda enfrenta o desafio de alcançar a meta proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), assumida pelo país, de reduzir em 50% as mortes no trânsito – uma meta que ainda permanece distante de ser cumprida.
A realidade desses números carrega não só estatísticas, mas histórias de traumas, medos e cicatrizes emocionais.
A psicóloga Vanessa Helena Ruscetto, especialista em psicologia do trânsito, alerta para um fator que ganha cada vez mais destaque: a ansiedade.
Conhecida como a ‘doença do século’, a ansiedade tem contribuído para o aumento de incidentes no trânsito, afetando tanto infratores quanto vítimas.
“As pessoas se chocam, se machucam, se ferem inconscientemente por conta dessa ansiedade de estar mais no futuro do que no presente”, pontua Vanessa.
Em um depoimento pessoal, Vanessa relembra um acidente de trânsito que presenciou na adolescência e que a marcou profundamente.
“Quando uma pessoa sofre um acidente de trânsito, ela é impactada pela sensação iminente de perigo, e muitos acabam traumatizados. A gente fica esperando pelo pior a todo momento, porque, em um acidente de trânsito, você não está transitando para se acidentar, mas para chegar ao seu destino. De repente, algo acontece, e esse momento inesperado deixa uma marca emocional muito grande. Então, você se pega sentindo essa sensação de que, a qualquer instante, o pior pode acontecer,” explica.
Ela enfatiza que o Brasil ainda carece de uma abordagem efetiva e preventiva para reduzir o impacto emocional dos acidentes de trânsito.
“Estamos mais focados no tratamento do que na prevenção, e muitas vezes esse tratamento é realizado de forma ineficaz. É fundamental que haja uma abordagem preventiva para evitar que o trauma emocional crie raízes,” diz Vanessa.
Entre as soluções sugeridas pela psicóloga está a terapia de ressignificação, uma abordagem que ajuda as pessoas a reinterpretar e encontrar novos significados para seus traumas.
“A ressignificação é uma ferramenta essencial na recuperação emocional, principalmente para aqueles que sofreram ou presenciaram acidentes de trânsito,” esclarece Vanessa.
Ela também reforça a importância de práticas de segurança, como o uso do cinto de segurança e a condução em velocidades adequadas, como formas de prevenir tragédias.
Traumas causados por acidentes de trânsito
A psicóloga Vanessa Helena reforça a complexidade do trauma causado por acidentes de trânsito.
“O trauma de trânsito é impactante porque você está indo para um lugar e, de repente, tua vida chacoalha – tua cabeça, teu corpo. E se você se machuca, é ainda pior. Às vezes, você nem se machuca, mas vê outras pessoas feridas, machucadas, mortas. É impossível não se impactar com isso,” explica.
Para ela, o impacto vai além do momento do acidente: ele reverbera na mente e no corpo, desestruturando aqueles que passam por essa experiência.
Vanessa destaca que a intensidade desse impacto independe de quem esteja envolvido. “Quando envolve machucado, morte, independentemente de ser você, um desconhecido, um conhecido ou um familiar, é sempre impactante. Falo que a lesão corporal, a morte, afetam todas as pessoas, sejam conhecidas ou não,” afirma.
Segundo a psicóloga, a percepção da perda é universal e intrinsecamente humana, tocando todos que testemunham ou experimentam essa realidade.
Ela observa que o corpo e a mente não estão preparados para a violência abrupta de um acidente. “O corpo humano foi criado para ser vivido, explorado, e eventualmente abandonado, no sentido de fechar o ciclo, e não de uma morte trágica,” reflete.
“Não temos essa preparação cerebral, físico, emocional, nem espiritual para enfrentar uma situação dessas.”
A imprevisibilidade, que desafia o senso de continuidade e propósito, gera marcas que podem ser difíceis de superar sem o apoio adequado.
O trânsito não é lugar para disputas ou pressa desmedida. É um espaço onde a segurança e o respeito à vida devem prevalecer. Chegar atrasado é sempre melhor do que não chegar, destacou a psicóloga em sua fala.