Poucos dias após nota de repúdio sobre a criação da uma comissão externa da Câmara dos Deputados para investigar a crise humanitária na Terra Yanomami, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), decidiu, nesta quarta-feira (22), incluir Célia Xakriabá (PSOL) como membro da comissão.

Os indígenas reclamavam que os deputados originalmente designados são contra a demarcação de terras e defendem pautas que atacam os direitos das populações indígenas. Com a nova nomeação, serão 16 integrantes.

“Fui a primeira parlamentar a visitar o território em 2023 para acompanhar a gravíssima crise, causada pelo aumento de 54% do garimpo ilegal e pelo genocídio incentivado pelo governo [Jair] Bolsonaro. Seria, no mínimo, ilógico que eu não fizesse parte da comissão”, manifestou Célia Xacriabá nas redes sociais.

Comissão

A comissão externa foi criada por meio de ato da presidência da Câmara dos Deputados, assinado por Lira em 13 de maio.

Sob coordenação da deputada Coronel Fernanda (PL), a comissão fará sua primeira reunião no dia 5 de julho, quando deverá ser aprovado o plano de trabalho. Além da recém-nomeada Célia Xacriabá, outra indígena integrará os trabalhos, Silvia Waiapi (PL). Ela foi secretária de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, durante o governo de Jair Bolsonaro.

A Terra Yanomami ocupa mais de 9 milhões de hectares e se estende pelos estados de Roraima e do Amazonas. É a maior reserva indígena do país. Os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais de 27 mil indígenas vivem nessa área.

Em janeiro do ano passado, a repercussão da crise humanitária vivenciada nessas aldeias provocou uma comoção nacional. Segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas, apenas em 2022 morreram 99 crianças yanomami com menos de 5 anos, na maioria dos casos por desnutrição, pneumonia e diarreia. 

Então recém-empossado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou uma série de ações governamentais, incluindo o combate ao garimpo ilegal, apontado como causa central da situação, junto à omissão do Estado. No entanto, passados mais de um ano, as atividades clandestinas continuam ocorrendo no território.

Na nota, as entidades solicitaram que o Judiciário declare a inconstitucionalidade da Lei Federal 14.701/2023. Também cobram do governo a intensificação de ações contra o garimpo e o fortalecimento do atendimento de saúde aos povos da região. Por fim, reivindicam que o Poder Legislativo respeite os territórios yanomami e cesse “sua ofensiva imoral contra os direitos dos povos indígenas”.

Entenda o mais recente caso sobre a Terra Yanomami

Nesta segunda-feira, 20, mais de 80 organizações divulgaram uma Nota de Repúdio contra a criação de uma nova Comissão Externa na Câmara dos Deputados, para investigar a crise humanitária na Terra Yanomami. 

Segundo as instituições, a iniciativa partiu do presidente da Casa, Artur Lira (PP-AL).

Dessa forma, a Hutukara Associação, Urihi Associação Yanomami (URIHI), Associação Parawami Yanomami (Parawami) e Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), todas da Terra Yanomami, afirmam que a Comissão é composta apenas por deputados ligados ao governo Bolsonaro.

Além disso, as organizações alegam que os parlamentares sempre atuaram contra os direitos dos povos indígenas: sete do PL, seis do União Brasil, um do MDB e um do Republicanos.

“Manifestamos nosso repúdio e indignação por mais uma ação truculenta da Câmara dos Deputados que, longe de manifestar preocupação e compromisso com nosso povo, pretende utilizar a dor e a morte do povo Yanomami e Ye’kwana para objetivos simulados de disputas políticas e de defesa do garimpo e da mineração em territórios indígenas”, destaca a nota.

Outras Comissões Especiais acompanharam a situação na Terra Yanomami

Os povos indígenas citam ainda que duas Comissões Especiais foram constituídas no Congresso Nacional para acompanhar a situação na Terra Yanomami, uma em 2022 e outra em 2023. 

Do mesmo modo, indicam que as Comissões concluíram que no governo de Jair Bolsonaro, houve aumento do garimpo na Terra Yanomami e o abandono do atendimento à saúde aos Yanomami e Ye’kwana.

Por isso, em janeiro de 2023, o Governo Federal determinou o estado de emergência, que resultou na implementação da Casa do Governo em Roraima.

Garimpo na Terra Yanomami – Foto: Bruno Kelly/ISA/HUTUKARA e Victor Moriyama/ISA/HUTUKARA

“Esses parlamentares são contra os povos indígenas do Brasil. Eles nunca deram nenhum apoio para as populações indígenas da terra Yanomami. Queremos respeito às lideranças tradicionais e as associações. Como Yanomami, não vimos nenhum desses deputados defendendo os povos indígenas, eles são contra os nossos direitos, são a favor do marco temporal. O Congresso Nacional é contra os povos indígenas!”, disse o vice-presidente da HAY, Dário Kopenawa.  

“A criação de uma nova Comissão externa, formada por deputados defensores do garimpo e contrários à demarcação das terras indígenas, como os deputados Nicoletti (UB/RR) e Coronel Fernanda (PL/MT) entre outros, “só pode ser entendida como um escárnio e uma afronta ao sofrimento dos povos Yanomami e Ye’kuana e de todos os povos indígenas do Brasil”, diz trecho da nota.

Por meio do documento, as organizações atestam as obrigações do Estado brasileiro de adotar todas as medidas necessárias para garantir direitos dos povos indígenas.

“Estamos revoltados e repudiamos essa comissão nesta nota e queremos que as autoridades respeitem as nossas decisões. Não queremos esses deputados no nosso território. Eles precisam consultar o nosso protocolo de consulta, baseado na Convenção 169 da OIT”, finaliza Kopenawa.  

Fonte: Agência Brasil e Hutukara Associação Yanomami