A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) está pedindo à Procuradoria-Geral da República que investigue as circunstâncias em que ocorreram 200 mortes registradas num estudo conduzido com a proxalutamida no Amazonas no início deste ano. Na denúncia apresentada à PGR no dia 3 de setembro, o órgão responsável por fiscalizar a pesquisa científica no Brasil apontou uma série de irregularidades no ensaio clínico realizado em diversas cidades amazonenses.
A proxalutamida é um remédio bloqueador hormonal ainda usado em caráter experimental em todo o mundo. Sob a liderança do endocrinologista Flávio Cadegiani, o estudo foi patrocinado pela rede de hospitais privada Samel.
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Segundo reportagem publicada no O Globo, o ensaio foi autorizado para ocorrer em Brasília e foi levado ao Amazonas sem autorização da Conep. As mortes não foram comunicadas no prazo regimental de 24 horas.
A proxalutamida ficou conhecida em nível nacional depois de uma live na internet realizada em 11 de março pelo grupo responsável pelo estudo da proxalutamida, que anunciou uma redução de 92% no número de mortes de pacientes graves da Covid-19. A partir daí, o remédio chegou a ser citado com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Mas o resultado despertou suspeitas entre infectologistas e outros pesquisadores e na própria comissão de ética. Se as informações estivessem corretas, havia o risco de os organizadores terem deixado uma quantia expressiva de voluntários que tomaram placebo morrerem desnecessariamente ao longo do trabalho. A menos que os dados estivessem errados ou imprecisos. Nesse caso, estariam caracterizadas falhas graves e possíveis fraudes. Ainda assim, os resultados nunca foram devidamente esclarecidos. A promessa revolucionária também não atraiu o interesse de publicações científicas mundiais.
Desde a divulgação dos resultados, a Conep passou a requisitar esclarecimentos aos pesquisadores sobre as mortes. No histórico apresentado à PGR, o coordenador da comissão, Jorge Venâncio, diz que inicialmente foram reportadas 170 mortes no ensaio clínico. Após uma emenda, esse número passou para 178 e, por fim, 200.
Além de não relatar as mortes à comissão, os pesquisadores também não detalharam as condições clínicas dos voluntários que faleceram. Por isso, na avaliação de Venâncio, não é possível “descartar a possibilidade de morte provocada por toxicidade medicamentosa ou por procedimentos da pesquisa”.
Pelas regras do Conselho Nacional de Saúde (CNS), os pesquisadores tinham que ter interrompido o estudo após o óbito de voluntários, para averiguar se era a proxalutamida que estava provocando as mortes – ou, ainda, se havia problemas na metodologia.
Além disso, o grupo não teria respeitado o número de voluntários previsto inicialmente no estudo. Enquanto a comissão deu parecer favorável a um ensaio com 288 pacientes, o endocrinologista apresentou no fim de abril – três meses depois – uma emenda ampliando o número de voluntários para 588. E, ao final, entregou um parecer com resultados de 645 pessoas, com as atas de apenas três dos nove centros de referência do Amazonas para os quais havia pedido autorização.
Cadegiani respondeu ao O Globo, por meio de nota, que as conclusões da comissão “não são definitivas” e “ainda pendem de julgamento por autoridades competentes”. O pesquisador alegou, ainda, que “não houve absolutamente nenhuma irregularidade no estudo e tampouco uma única morte” decorrente da droga.
O Portal Norte de Notícias entrou em contato com a assessoria do Grupo Samel e aguarda resposta sobre o assunto.
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