O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a implantação de uma rede interinstitucional de apoio e atendimento aos povos indígenas no Amazonas e Acre, em especial aos Madija Kulina, em situação de grave vulnerabilidade.

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A atuação conjunta do MPF com órgãos públicos dos estados do Amazonas e do Acre deverá abranger os dez municípios que compõem a área tradicional desta população, nas calhas dos rios Juruá e alto Purus.

Os indígenas têm sofrido, nos últimos anos, com desassistência do poder público, ocasionando diversas formas de violência e problemas de saúde e educação.

O MPF já emitiu recomendação aos municípios de Tefé, Juruá, Carauari, Itamarati, Eirunepé, Envira e Ipixuna, no Amazonas; além de Feijó, Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano, no Acre.

Além do poder Executivo, uma série de órgãos federais e estaduais são convocados na recomendação a participar efetivamente e, dentro de suas competências, adotar medidas cabíveis para articulação junto aos demais órgãos federais, estaduais e municipais para implementação e funcionamento regular da rede.

A primeira reunião geral da rede será realizada nesta terça-feira, 12, por videoconferência.

Ausência de políticas para acesso a benefícios

A recomendação expedida pelo MPF no Amazonas e no Acre narra que o povo Madija tem passado por um quadro grave de vulnerabilidade social, com situações cada vez mais frequentes de privação de direitos e violências, sobretudo no meio urbano. Situações como furtos, roubos, retenção de cartões bancários, intermináveis dívidas, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e até gasolina, insegurança alimentar, desnutrição infantil, agressões físicas, estupros, óbitos por afogamento, depressão, suicídios e homicídios estão entre os fatos registrados na última década.

Esse quadro de violências passou a ocorrer mais intensamente com o aumento da frequência de deslocamentos dos indígenas para as cidades a partir de alguns fatores de pressão como a desassistência do poder público nas aldeias e a ampliação sem as adequações culturais necessárias do acesso das famílias indígenas aos benefícios assistenciais e previdenciários, entre o final dos anos 2000 e início dos anos 2010.

Por conta dessa ausência sistemática de planejamento, adequação e adaptação das políticas públicas da Previdência e da Assistência Social na região do Juruá-Purus apontadas na recomendação, aumentou a exposição dos indígenas a situações de violência e sofrimento, potencializando o quadro de vulnerabilidade social, em especial para os povos de recente contato, como os Madija, que possuem pouca familiaridade com a língua portuguesa, com a lógica das trocas mercantis e com o ambiente urbano.

“Esse quadro se reflete no número estarrecedor de óbitos entre os Madija que, em 2014, representava 49% do total de óbitos entre os indígenas atendidos pelo Dsei MRSA [Médio Rio Solimões e Afluentes], embora sua população representasse apenas 16% do total de indígenas da região à época”, aponta o MPF. Entre 2011 e 2016, 34 casos de suicídio entre os Madija nas regiões atendidas pelos Polos Base de Ipixuna, Envira e Eirunepé (Médio Juruá) e Kumaru (Baixo Juruá).

Dificuldades no meio urbano

De acordo com o MPF, a situação de extrema vulnerabilidade social dos Madija começou a ser evidenciada em fevereiro de 2014, quando o Poder Judiciário do Amazonas da Comarca de Eirunepé expediu de forma equivocada portaria que proibia a venda de bebida alcoólica aos indígenas e vetava sua permanência na sede do município, advertindo a Funai a providenciar o retorno das famílias às aldeias, como forma de “oferecer condições dignas aos indígenas”. A medida encarava a situação dos Madija em contexto urbano de modo superficial e atentava contra o direito constitucional de ir e vir desses povos, esclarece o órgão.

Laudo antropológico produzido pelo MPF demonstrou a dificuldade de mediação, ou a mediação malsucedida, dos Madija do Alto Purus com o “mundo dos brancos”, sobretudo no contexto urbano, bem como a falta completa de apoio do poder público para que essa mediação fosse feita adequadamente. Essas dificuldades refletiram “em uma série de fatores, entre os quais estão as agressões físicas, os estupros e assassinatos que os Madija sofrem habitualmente nas cidades; o sofrimento e desgaste causados pela dificuldade em acessar os benefícios sociais e a demora em obter a documentação necessária; bem como o consumo excessivo de álcool”, destaca o MPF em trecho da recomendação.

Acompanhamento e criação de rede

No ano de 2018, o MPF chegou a firmar termo de compromisso, durante audiência pública em Eirunepé, com a participação de diversos órgãos federais, estaduais e municipais incluindo propostas pactuadas para melhorar a qualidade de vida dos indígenas Madija (Kulina) e acompanhou a construção de plano de ação com demandas relacionadas a emissão de documentos, educação, saúde, cultura, assistência social, gestão territorial, dentre outros. No entanto, poucos foram os resultados práticos realizados pelos órgãos públicos, a exemplo de uma atividade de expedição de documentação civil para os indígenas Madija na Terra Indígena Kumaru do Lago Ualá, em 2019.

No Acre, o MPF mobilizou ação interinstitucional ainda no ano de 2019 para avaliar in loco as causas dos altos índices de mortalidade infantil entre os Madija da terra indígena Alto Purus e traçar estratégias de superação do problema a partir de reuniões e atividades desenvolvidas na aldeia Maronawa e constatou, a partir de parecer antropológico, doenças diarreicas agudas, infecções respiratórias agudas e desnutrição como principais causas dessas mortes, registradas desde 2014.

Conforme o MPF, é necessário que haja um engajamento efetivo das diferentes esferas de atuação federal, estadual e, sobretudo, do poder público municipal, responsável pela operacionalização das políticas de educação, saúde e assistência social em nível local.

Povo de recente contato

A Funai utiliza a classificação de “povo de recente contato” para identificar as etnias que “mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços”.

A recomendação do MPF pontua que essa classificação não tem sido levada em consideração na formulação de políticas públicas para os Madija Kulina ou sequer tem sido lembrada nos documentos técnicos do órgão indigenista, “a ponto de a própria Funai omitir os Madija do texto de apresentação sobre os povos de recente contato em sua página oficial na internet”.

CLIQUE AQUI para conferir a recomendação na íntegra.

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