Um mês típico de chuvas em Manaus surge diferente: em dezembro, rios antes majestosos, como o Negro e o Solimões, recuaram para revelar terras áridas e ilhas expostas. Sem a recuperação dos cursos de águas após a seca histórica, 2025 caminha para repetir a crise ambiental dos anos anteriores.
A crise climática não apenas transforma a paisagem, mas também ameaça a principal fonte de renda de milhares de ribeirinhos: o turismo.
O emblemático encontro das águas, onde os rios de cores distintas se encontram, perdeu parte de volume, e atividades turísticas foram suspensas. “A pesca do pirarucu e os passeios noturnos de focagem de jacarés ficaram inviáveis”, lamenta o guia Rodrigo Amorim, que enfrenta dificuldades para navegar em trechos secos.
A seca impôs mudanças severas à rotina de comunidades como a do Lago Janauari. Daniel Hanrori, líder indígena do povo Tukano, relata o deslocamento de famílias para acampamentos improvisados à beira do rio.
Sob calor escaldante e ventos perigosos, eles recebem poucos turistas, sua principal fonte de renda. “Na cheia, recebíamos até 60 lanchas por dia; agora, mal chegam duas”, afirma Daniel. Além da queda no turismo, a pesca se tornou escassa, comprometendo a alimentação e a sobrevivência local.
Turismo e responsabilidade climática
O turismo na Amazônia está diretamente ligado aos rios, e a perda de volume impacta as atividades mais procuradas.
A Praia de Ponta Negra, um dos pontos turísticos mais famosos de Manaus, foi interditada após o Rio Negro atingir níveis críticos.
Já o Museu do Seringal fechou as portas, devido à impossibilidade de acesso fluvial. Alter do Chão, no Pará, também sofreu com a baixa do Rio Tapajós, que inviabilizou deslocamentos e levou à suspensão de eventos tradicionais, como o festival Sairé.
Para Isabel Grimm, doutora em meio ambiente, a crise climática pede um turismo mais sustentável. “Os transportes e o consumo excessivo de água e energia nos locais turísticos têm impactos relevantes. Precisamos valorizar destinos menos explorados e adotar práticas que respeitem os ecossistemas”, aponta a especialista.
Modelos que inspiram
Iniciativas como a Pousada Uacari, gerida pelo Instituto Mamirauá na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, mostram que o turismo pode ser uma ferramenta de conservação. Desde 1998, o programa alia desenvolvimento econômico e preservação ambiental, beneficiando diretamente 11 comunidades.
Pedro Nassar, coordenador do projeto, ressalta que o turismo comunitário é diferente do modelo de massa. “Os benefícios precisam ser compartilhados. Não é só receber visitantes, mas integrar ganhos econômicos, culturais e sociais à comunidade”, explica.
Transformação pelo turismo comunitário
A experiência da Pousada Uacari é replicada em outras regiões, como o Jalapão, onde Ilana Ribeiro, artesã e empreendedora, aplica conhecimentos adquiridos em intercâmbios com o Instituto Mamirauá.
No quilombo de Mumbuca, ela ajuda a estruturar o turismo local com trilhas, oficinas de artesanato e experiências culturais. Ilana destaca que o modelo comunitário é a única forma de impedir o avanço de um turismo predatório. “A chegada de empreendimentos de luxo pode destruir nossos recursos naturais e acabar com o nosso modo de vida”, alerta.
Preservação para o futuro
A crise climática exige urgência em mudanças no setor turístico. Para Ilana, a sustentabilidade deve ser a base de qualquer iniciativa. “
Quem cuida da natureza é a comunidade. Sabemos quantas pessoas nossos recursos podem suportar sem prejuízos”, afirma.
Modelos como o turismo comunitário podem ser a chave para preservar a biodiversidade da Amazônia, ao mesmo tempo em que valorizam a cultura local. Em tempos de extremos ambientais, a sobrevivência do turismo amazônico depende de escolhas conscientes que respeitem os limites do planeta e as raízes das comunidades.
* Com informações da Agência Brasil