As histórias de muitas mulheres traficantes de drogas de alto escalão nos cartéis latino-americanos acabam passando despercebidas pelo mundo, e muitas vezes, até mesmo pelas autoridades.

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O papel da mulher no crime organizado geralmente é apresentado como o de parceira ou parente do traficante que controla o negócio ilegal.

Mas, será que todos os casos são assim? De mulheres que quase involuntariamente herda essa tarefa quando o homem é preso?

Em entrevista à BBC News Mundo, a jornalista maltesa-britânica Deborah Bonello, que investiga o crime organizado na América Latina, falou sobre o papel das mulheres nesses grupos.

Em outubro, ela publicou uma extensa reportagem no site da revista VICE, com o título “Las patronas: la historia secreta de las jefas de cárteles en América Latina” (As patroas: a história secreta das chefes de cartéis na América Latina, em tradução livre) e que no próximo ano se tornará um livro.

 

Veja os perfis das traficantes investigadas pela jornalista

 

Digna Valle (Honduras)

Digna Valle era a matriarca do narcotráfico no nordeste de Honduras e o principal rosto do brutal cartel de Los Valle.

A família dela trocou o contrabando de vacas e cigarros pelo narcotráfico de cocaína colombiana, que começou a circular na região no final do século passado com destino aos Estados Unidos.

Valle, a mais velha de 13 irmãos, movimentava dezenas de milhares de dólares em cocaína por mês através da fronteira guatemalteca, como intermediária para outras organizações, como o cartel mexicano de Sinaloa. 

Depois de ser presa em uma viagem a Miami em 2014, Digna Valle confessou ser culpada das acusações de tráfico de drogas. Ela colaborou com a Justiça e as informações dela foram vitais para a prisão e extradição para os Estados Unidos de dois de seus irmãos, também condenados, fundamentais para desmantelar seu próprio clã.

Valle cumpriu sua pena e recebeu o direito de permanecer nos EUA sob risco de morrer, caso retornasse ao seu país.

“Quando fui ao El Espíritu, conversei brevemente com Digna por videochamada e ela me disse que não tinha medo de voltar para Honduras. Na época, ela trabalhava de maneira muito pública porque se achava intocável e se sentia protegida pelas autoridades. Essa arrogância não é só coisa de homem”, diz Bonello.

Foto: prefeitura de Broward – Digna Valle

 

Marixa Lemus (Guatemala)

Marixa Lemus, de 40 anos, é conhecida como “la Patrona” (A Patroa) ou “el Chapo de Guatemala” (O Chapo da Guatemala) por conta das duas vezes que conseguiu escapar da prisão. Em 2016, ela pulou um muro do presídio e foi encontrada horas depois.

Seu império do narcotráfico foi construído nas proximidades de Moyuta, cidade guatemalteca na fronteira com El Salvador, ponto estratégico da rota do tráfico que circula pela América Central até os Estados Unidos.

A família dela, conhecida por seus modos violentos e sangrentos de agir, tinha grande poder na política local e no controle do território para o tráfico de drogas.

“Entrevistei Marixa na prisão. Ela me impressionou com sua personalidade, sua capacidade de violência e com a forma como não escondia isso. Me disse que ia se vingar da rival, por ela e por toda sua família”, lembra Bonello.

Foto: Cortesía Prensa Libre – Marixa Lemus

 

Sebastiana Cottón Vásquez (Guatemala)

Sebastiana Cottón Vásquez viveu na cidade de Malacatán, na fronteira Guatemala-México, outro ponto estratégico para o tráfico internacional de drogas.

Ela é considerada uma das traficantes mais violentas em seu país.

Depois de ser abandonada pelo pai de seus cinco filhos, se casou com um traficante local.

Quando ele foi assassinado, Vásquez assumiu o negócio até se tornar a grande responsável pelo tráfico de milhares de quilos de cocaína.

Em 2014, ela foi extraditada para os Estados Unidos, onde confessou os crimes. Acabou libertada cinco anos depois, ao colaborar com a justiça e testemunhar contra os Lorenzanas no julgamento deles.

“Entrevistei os conhecidos de Sebastiana e eles tinham muito medo dela. É uma mulher com uma personalidade impressionante. Quase sem acompanhantes, foi reclamar de uma droga que tinha sido roubada da casa de um dos Lorenzanas, onde acabou cercada por aproximadamente uma centena de homens armados. Ela era a única mulher lá. Para fazer isso é preciso ter muita coragem… ou estupidez. Ou as duas coisas”, reflete Bonello.

Foto: departamento de Justiça dos EUA – Sebastiana Cottón Vásquez

 

Marllory Chacón Rossell (Guatemala)

Marllory Chacón embora viesse de uma área rural de Chiquimula, Guatemala, Chacón — apelidada de “La Reina del Sur” (A Rainha do Sul) — era de classe média, estudou psicologia durante vários anos e tinha conhecidas habilidades empresariais.

Antes de se envolver com o tráfico de drogas, ela se destacou como lavadora de dinheiro. Anos depois, chegou a lavar US$ 10 milhões (R$ 48 milhões) em lucros do narcotráfico por mês, segundo autoridades americanas.

Chacón operava na Guatemala, mas tinha conexões com o narcotráfico em Honduras e no Panamá, e fornecia cocaína para cartéis no México.

O Departamento do Tesouro dos EUA a descreveu como “uma das traficantes de drogas mais prolíficas da América Central”.

Chacón tornou-se uma das maiores aliadas de Sebastiana Cottón, presa em 2014. Ela se entregou nesse mesmo ano e, como sua ex-aliada, confessou os crimes e colaborou com a justiça americana até ser libertada em 2019.

Segundo Bonello, “Marllory era uma mulher elegante e educada que atuava em um mundo de homens. Os Lorenzanos não estavam acostumados a negociar com mulheres para transportar ou comprar cocaína, mas ela entrou no negócio porque se interessava muito por todo esse mundo”.

Foto: departamento do tesouro dos EUA – Marllory Chacón Rossell 

 

Guadalupe Fernández Valencia (México)

Apesar de ser a figura feminina de mais alto escalão até hoje no cartel Sinaloa, pouco se sabe sobre Guadalupe Fernández Valencia. 

Ela foi a única mulher na lista de oito nomes que apareceram na acusação que ajudou a mandar El Chapo para a prisão.

A mexicana passou mais de três décadas no negócio de drogas. Primeiro nos EUA, onde ela chegou sem documentos de seu estado natal de Michoacán e onde acabou presa antes de ser deportada.

De volta ao México, trabalhou para o cartel de Sinaloa como subordinada a um dos filhos de Chapo, Jesús Alfredo, que ainda está foragido.

Fernández Valencia trabalhou ao lado de “Alfredillo” durante todo o processo de distribuição 

“Fiquei impressionada com a imagem de humildade que ela quis passar no julgamento, falando de seus filhos e netos. Mas a verdade é que ela trabalhava para uma organização brutalmente violenta e concordou com isso. Ela não era uma pessoa ingênua que não sabia onde estava se metendo. O nível que ela alcançou no cartel e sua capacidade de lidar com a logística tão bem em um ambiente ilegal é impressionante”, ressalta Bonello.

Foto: Polícia Federal do México – Guadalupe Fernández Valencia

 

Luz Irene Fajardo Campos (México)

Luz Fajardo Campos era uma advogada mexicana de classe média que vinha de uma família de fazendeiros perto de Cosalá, na zona rural de Sinaloa, mas decidiu entrar no negócio de drogas com seus dois filhos.

Ela chegou a dirigir sua própria célula internacional de narcotráfico, que até 2016 estava associada ao cartel de Sinaloa, embora sem fazer parte da organização.

Fajardo Campos foi acusada de importar grandes quantidades de cocaína da Colômbia para os EUA, passando pela América Central e México.

Depois de ser presa na Colômbia em 2017 e extraditada para os EUA, os corpos de seus dois filhos apareceram desmembrados e carbonizados no México. 

Ela se recusou a se declarar culpada e foi a julgamento. No ano passado, acabou condenada a 22 anos.

“Depois do que aconteceu com seus filhos, ela decidiu calar a boca e não dar informações sobre ninguém. Me pergunto se El Chapo também pensou nisso quando testemunhou. É interessante que muitas mulheres considerem as possíveis consequências que suas declarações podem ter para suas famílias [muitos parentes de Fajardo continuam a viver em Sinaloa]. Isso é diferente do que os homens fariam, que também são pais e maridos? Não sei”, questiona a jornalista.

Foto: departamento de Justiça EE.UU. – Luz Irene Fajardo Campos

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