O repórter e memorialista Milton Parron apresenta o programa “Memória“, na Rádio Bandeirantes de São Paulo. Para o Norte Entrevista, Parron relembra sua história com o rádio. No começo, ele não gostava nada do veículo, pois os pais o obrigavam a assistir a um programa da Rádio América, Ondas de Espanha, e ele queria assistir às matinês de cinema. Com o tempo, tomou gosto pelo rádio, em que começaria a trabalhar no plantão esportivo da Rádio Panamericana. Tornou-se repórter da emissora e marcou época com reportagens cuja temática era a defesa do consumidor, além de ter sido protagonista de uma das coberturas jornalísticas mais marcantes da história do rádio no Brasil: o incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo – dia primeiro de fevereiro, 1974.

Milton Parron e sua história com o rádio


“Quando fomos morar em São Paulo em 1951, meus pais todo domingo iam à Rádio América assistir ao programa Ondas de Espanha, apresentado pelo Salomão Esper e seu irmão. Como eu era menor, era obrigado a ir com eles, e eu abominava aquilo, porque queria ir à Rua da Moóca, ao Cine Imperial, assistir às matinês. Eu era bom em português e, por isso, meu pai achava que eu tinha que trabalhar com rádio. Anos depois, ele me fez escrever uma carta para dona Sara Kubitscheck, esposa do então presidente da República, Juscelino Kubitscheck. Uma semana depois, para nossa surpresa, chegou a resposta, e eu fui fazer um teste na Rádio Nacional do Rio. Muito nervoso, não passei. Meu pai chegou a procurar alguns políticos, mas sem muito sucesso. No final das contas, um engenheiro de som de Avaré nosso vizinho foi quem me encaminhou para a Rádio Panamericana para trabalhar no Plantão Esportivo, com Aluani Neto e Narciso Vernizzi.”

Hebe Camargo e Milton Parron
Hebe Camargo premia Milton Parron por ter sido o primeiro repórter do mundo a descrever um salto de paraquedas em 1968 – Arquivo Pessoal

Defesa do consumidor


“Fiz uma série de matérias sobre a qualidade da água mineral a partir de um recorte de jornal que me foi passado pelo chefe de reportagem, José Carlos Pereira, e que dizia: “Cuidado com a água que você toma”. Fui e era um pequeno laboratório para análise de qualidade da água, na Moóca. Vi uma garrafa fechada com parafuso e porca dentro dela, perguntei ao dono desse laboratório, e ele: “Isso aí não é nada, se você vê, você não compra. O problema está naquilo que não se vê”. Depois fui a diversos mercados em São Paulo, com o advogado e radialista Joseval Peixoto, e com o médico e político Salim Curiati, pedi análises independentes em três laboratórios diferentes, e todas condenavam a qualidade das águas minerais. As matérias tiveram uma repercussão que até me assustou.”

Fernando Vieira de Mello

“Fernando foi meu diretor de jornalismo na Jovem Pan. Nem meu pai me deu tantas esculhambações na vida, só me lembro de um elogio dele. Na minha frente não me elogiava. Soube pelo Orlando Duarte (1932-2020) que ele estava muito doente, sofrendo de Alzheimer. Fui visitá-lo numa casa de repouso. Segundo os atendentes, ele não reconhecia mais ninguém, nem mesmo os filhos. A enfermeira disse a ele, “Senhor Fernando, um amigo veio visitá-lo, o senhor conhece ele?”. Fernando, com muito esforço, ergueu os olhos, me viu e disse, lentamente: “Pa-on.” Ao voltar desse encontro, parei o carro no meio do caminho. Nunca chorei tanto na minha vida, desabei. Ele foi o anjo da guarda que guiou meus passos no jornalismo.”  

O incêndio do Joelma

“Estava na região central de São Paulo, tinha acabado de fazer um boletim de trânsito, quando me disseram que havia um incêndio. Fui para lá com o motorista e o técnico. O fogo havia começado antes das nove da manhã, dei alguns boletins até umas nove e quinze e, a partir daí, fiquei o dia todo. Tive que narrar gente caindo a seus pés, quando digo a seus pés, a dez metros de você. Aquele grito que vem do fundo da alma, é indescritível, a pessoa vem lá do alto, a caminho da morte, um grito como se dissesse “me salva, me salva”, e o baque daquele corpo caindo na sua frente. No fim, olhando para o edifício, eu desabei, mesmo. Um oficial dos bombeiros, capitão Caldas, bateu no meu ombro e disse: “Chora à vontade, ou você pensa que a gente não chora, também? É o que a gente pode fazer, em respeito àqueles que nós tentamos, mas infelizmente não conseguimos salvar”. Não me canso de dizer: bombeiro não é um ser humano comum. Para ser bombeiro, tem que ter um amor ao próximo muito maior do que o amor que uma mãe tem pelo filho.”

Milton Parron e a memória num país sem memória

“Comecei a falar em memória do rádio na Jovem Pan e estou na Bandeirantes desde 1994. Estou nessa função de salvar memórias muito antigas, temos gravações muito raras aqui no CEDOM da Rádio Bandeirantes. Temos John Wayne entrevistado pelo Tico-Tico, temos Monteiro Lobato, temos Mazzaropi. O CEDOM existe por causa de uma meia-dúzia. Muitos diretores que passaram por aqui quiseram tirar o programa Memória do ar, mas ele sobrevive hoje graças ao Johnny Saad.”