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Igarapés de Manaus: gotas de esperança resistem a rios de descaso

Situação de igarapés também pode ser modificada com adoção de exemplos pelo Brasil e mundo - Foto: Reprodução/Aries/Prefeitura de Manaus/Agência Estado/Reprodução/Instagram@tribalsup

Situação de igarapés também pode ser modificada com adoção de exemplos pelo Brasil e mundo - Foto: Reprodução/ARIES/Prefeitura de Manaus/Agência Estado/Reprodução/Instagram@tribalsup

Olhar para os igarapés de Manaus, na atualidade, nem de longe dá para imaginar que esses pequenos rios já foram locais de lazer, navegação e até pesca.

A ausência de planejamento e fracas políticas ambientais ao longo de décadas foram suficientes para degradar e transformar os leitos em depósitos de lixo e, ao mesmo tempo, anular a beleza das águas saudáveis até então presentes em diferentes regiões da capital.

Mesmo com tanto descaso ainda é possível alimentar esperança escassa diante da paisagem e do odor testemunhados por quem vive ou visita a cidade.

Investimentos, pesquisas, tecnologia e projetos bem sucedidos no Brasil e no mundo mantêm vivo o sonho da maioria dos manauaras: ter de volta igarapés limpos, despoluídos e aptos para o esporte e turismo.

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Aumento de problemas

A área urbana de Manaus conta com 11 bacias hidrográficas, são elas: Bacia Boa Vista, Bacia Colônia, Bacia do Educandos, Bacia do Gigante, Bacia do Luizinho, Bacia da Orla Leste, Bacia da Orla Oeste, Bacia Puraquequara, Bacia São Raimundo, Bacia Tarumã e Bacia Tarumã Açu.

Segundo a geógrafa Selma Batista, professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), os afluentes dessas bacias vêm diminuindo nos últimos anos, além do fim de alguns olhos d’água.

“A bacia hidrográfica do Educandos tem o Igarapé do Quarenta como rio principal. Antes, tinha cerca de 30 afluentes. Com obras de intervenções urbanas, o que podemos constatar é que muitos igarapés, como o igarapé de Manaus em seu percurso, tiveram área aterrada com o solo criado para edificação.

Outras  áreas foram canalizadas, como a extensão entre o Parque Paulo Jacob e Parque Jefferson Pérez e a área onde se localizam as nascentes. Muitos olhos d´água e caçimbas, entre a Avenida Airão, Avenida Barcelos e a Avenida Nhamundá, não há intervenção pública para a salvaguarda desse recurso de importância para a vida”, explica.

Ação humana

Não é difícil perceber que a ação humana segue como principal responsável pela agonia dos igarapés da capital.

Nem os exemplos que culminaram com o quadro atual foram suficientes para alterar iniciativas recentes do poder público. A ausência de educação ambiental atrapalha ainda mais o cotidiano.

“O igarapé do Mindu, tributário da bacia hidrográfica do São Raimundo, é outro caso emblemático por percorrer a extensão de 20 km de Norte a Sul da cidade. Contudo, devido ao aumento da população na Zona Norte e Leste, associado à falta de infraestrutura urbanística ou de serviços públicos de saneamento e coleta de lixo, esse recurso hídrico também sobre o efeito do chamado antropoceno, conceito que se refere ao depósito tecnogênico, proveniente de processos de erosão e produção de sedimentos, que podem ser transportados pelos cursos d’água ou podem ser produzidos pela ação humana. Como efeito desses processos, têm-se, no relevo, camadas compostas por elementos naturais, como: areia, argilas, pedregulhos, entre outros, intercalados com artefatos humanos descartados incorretamente, como: pedaços de plásticos, borrachas, vidro, madeira, metais, entre outros”, afirmou.

‘Morte’ dos igarapés de Manaus

Selma faz um alerta ainda mais preocupante para o descaso dos igarapés e que envolve o Plano Diretor Urbano e Ambiental dos Igarapés de Manaus.

“Pode-se afirmar que o descaso com os igarapés é tão grande que o Implurb, na revisão cartográfica do Plano Diretor Urbano e Ambiental dos Igarapés de Manaus 109, eliminou do Mapa de Qualificação Ambiental, os igarapés urbanos. Iniciativa que anuncia a ‘morte dos igarapés”, disse Selma.

Procurado para falar sobre o assunto, o Implurb não respondeu sobre o motivo da retirada dos igarapés urbanos do Mapa de Qualificação Ambiental.

Já a assessoria da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) disse que a pasta não tem responsabilidade no mapa.

A imagem abaixo mostra cada bacia representada com o seu rio tributário ou o rio principal.

Bacias Hidrográficas Urbanas em Manaus em 2013 – Arte:Marcos Sérgio, com base em informações da ARSEPAM

Trecho do Igarapé Mestre Chico – Foto: Francisco Santos/Portal Norte

Toneladas de problemas

Para mensurar um pouco mais o tamanho do problema nos igarapés, também procuramos a Secretaria de Limpeza Pública de Manaus (Semulsp) para saber a quantidade de lixo retirado dos locais.

De janeiro a setembro de 2023, a equipe coletou 8.557 toneladas de lixo dos igarapés.

Durante todo o período de 2022, o total de lixo retirado dos córregos foi de 10.445 toneladas. Ou seja, os nove primeiros meses de 2023 representam um pouco mais de 80% dos números do ano anterior.

A equipe retira principalmente objetos como pneus, garrafas PET e sacos plásticos.

Os números e os locais provam que o problema não está apenas no fato de esgotos despejarem dejetos nessas águas.

A falta de consciência da população colabora para multiplicar o drama, ou seja, não é apenas mudar o destino dos esgotos que vai fazer Manaus voltar a ter igarapés despoluidos.

Limpeza de igarapés ocorre diariamente, segundo Semulsp – Foto: Valdo Leão/Semulsp
Toneladas de lixo retirado do igarapé do São Jorge – Fotos – Valdo Leão/Semulsp

Drama de famílias

Casas de madeiras dividindo espaço com igarapés ainda são cenas comuns em vários bairros da capital.

No bairro São Jorge, na Zona Oeste, a aposentada Marcilena Monteiro, de 60 anos, vive há décadas na mesma casa próximo à Ponte do São Jorge.

Ela relembra com saudosismo dos tempos em que chegou a nadar na área.

“Muito triste [ a poluição dos igarapés]. Eu sou cria do São Jorge, nadei no igarapé quando era limpo, […] a maioria pescava para se alimentar daqui, dos peixes que tinham no igarapé”, comentou.

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Sem serviço de esgoto, ela admite que os dejetos do imóvel em que vive vão direto para o igarapé.

“O esgoto vai para o igarapé, os canos vão todos para os igarapé. Não tem outra maneira aqui, quem mora perto é tudo assim”, relata.

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Ela reage com indignação às acusações de que moradores da área também são responsáveis por jogar sacos de lixo e entulhos nas águas.

“Não somos nós que jogamos lixo no igarapé. A gente tem coletor de lixo toda noite, de 1h da manhã às 5h da manhã. O problema [lixo atirado no local] é da “área nobre”. Para carro de luxo aqui e joga lixo dentro do igarapé”, diz a aposentada.

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A comerciante Márcia Gomes Leão, de 50 anos, trabalha há mais de 20 anos na região em um ponto de café da manhã.

O esgoto do local também tem como destino o igarapé.

“O esgoto vai parar no igarapé, tudo aqui vai. A gente tem aqui os canos que vão tudo para o igarapé, não tem outra maneira aqui. Quem mora perto do igarapé tudo é assim”, relatou a comerciante.

Impactos da poluição na saúde

Os problemas da poluição atual dos igarapés também impactam a saúde da população.

O aumento de doenças e de enchentes são exemplos.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as doenças mais comuns por falta de saneamento básico são:

Em um ano em Manaus, de julho de 2022 a julho de 2023, 15 pessoas entre 0 a 79 anos morreram devido a doenças infecciosas e parasitárias, por falta de saneamento básico e água hidratada.

Aumento de doenças

José Luiz Marmos, pesquisador em geociências, chama atenção para os impactos a longo prazo e a necessidade de ações concretas no presente.

“O impacto para a população e às cidades nas próximas décadas, se esses leitos na capital continuarem do jeito que estão e até pior, será o aumento das doenças de veiculação hídrica e das enchentes”, disse Marmos.

Dados de óbitos de doenças hídricas Foto: Reprodução/DATASUS

Esgotamento sanitário

A Geógrafa Selma Batista destaca dados do Trata Brasil, que apontam que a capital tem menos de 22% de cobertura de esgoto na capital amazonense.

“Pode-se considerar que em relação à população total de 2.219.580 habitantes, com o indicador de 22,06% de cobertura de esgoto em Manaus, grande parte dos igarapés urbanos agonizam com o lançamento direto de efluentes em seus corpos d´água”, comentou.

Procurada pelo Portal Norte, a concessionária Águas de Manaus garante que, em relação ao serviço de esgotamento sanitário, o número já caminha para 30% até o fim deste ano.

A empresa afirma que tem um plano de expansão com uma série de obras, como implantação e ampliação de ETEs, além de implantação de redes coletoras em todas as zonas da cidade.

Meta em 2033

A projeção é que em 2025, a cobertura possa chegar a 45%, e, em 2033, à universalização do sistema, com 90% de cobertura.

A empresa divulgou que em cinco anos de serviços, o investimento na capital ultrapassa R$ 1 bilhão.

Ela prevê a chegada do esgotamento sanitário em comunidade de palafitas. Ainda em 2023, a expectativa é de que pelo menos 6 mil moradores de áreas de palafitas e becos já contem com o serviço.

Atualmente, existem obras de expansão do sistema em áreas como conjunto Augusto Montenegro (Lírio do Vale), Cidade Nova, Adrianópolis, Praça 14 de Janeiro, Nossa Senhora das Graças, Cachoeirinha, Centro e Novo Aleixo.

Quando estiver funcionando, a proposta é que os dejetos sejam coletados e destinados a uma ETE, onde serão tratados e, posteriormente, devolvidos ao meio ambiente livre de contaminações.

Apesar deste trabalho, a Águas de Manaus lembra que existem também outros pontos sensíveis quando o assunto é esgotamento sanitário. A conscientização dos usuários é fundamental, pois os mesmos precisam se conectar à rede coletora.

O serviço da concessionária consiste em realizar a implantação da rede e deixar o Tubo de Inspeção e Limpeza (TIL) instalado na frente da residência, disponível para que cada morador faça sua ligação, conforme estabelecido na legislação vigente.

Esperança

Apesar do drama vivenciado pela própria população que polui, é possível acreditar que a despoluição dos cursos de água ainda é viável.

É o que dizem José Luiz Marmos e Jó Fernandes Farah, presidente da ONG Mata Viva.

O que já imaginamos é que não é tarefa simples e a ação demanda décadas de investimentos. Mas é possível.

“Instalar um sistema de esgotamento sanitário em 100% da cidade. Retirar 100% dos moradores das margens dos igarapés e conscientizar 100% da população a não jogar lixo nas ruas e nos cursos d’água […] A água voltaria a ser como séculos atrás depois de algumas décadas”, afirma o pesquisador Marmos.

O presidente da ONG Mata Viva também acredita na revitalização de todos os igarapés poluídos e desfigurados de Manaus.

“A receita é simples: retirar toda construção civil irregular na Área de Preservação Permanente (APP). Instalar rede de esgoto com estações de tratamento ao longo de toda extensão. Reflorestamento de toda a Área de Preservação Permanente desde a nascente principal até a foz.

Manter o local sem lixo e ocupações irregulares. Envolver as comunidades na preservação da APP com atividades culturais, ambientais e geração de renda. Criar parques onde for possível ao longo dessa rede de revitalização e entregar para a comunidade zelar”, sugere Jó Fernandes Farah.

Alguns dos grandes desafios na ação de despoluição são os valores financeiros necessários para investir na ação.

Pelo tamanho do problema, podemos imaginar algo que vai de milhões até dezenas ou centenas de bilhões de reais.

Jardins Filtrantes – Pernambuco

Alguns dos projetos bem sucedidos na despoluição de águas no Brasil e pesquisados pelo Portal Norte envolve um afluente do Rio Capibaribe, em Pernambuco.

Na região, os jardins filtrantes possibilitam que o Riacho do Cavouco tenha melhor oxigenação, redução de impurezas e possibilite que as águas do Capibaribe também tenham melhor qualidade.

Responsável pelo projeto de R$ 7 milhões, a Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) conversou com a reportagem sobre o case de sucesso no Nordeste.

O Riacho do Cavouco nasce na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tem seis quilômetros de extensão, onde são despejados resíduos domésticos.

O processo de filtragem do jardim instalado nas margens do riacho funciona com três tanques: o vertical, que reduz o acúmulo de matéria orgânica, o horizontal, que remove sólidos suspensos, e a lagoa plantada com ninféias aquáticas, que auxiliam na desinfecção e reintrodução de oxigênio na água.

Esse sistema de tratamento não convencional para tratamento de parte das águas do Riacho Cavouco, implantado na Cidade do Recife, está localizado em uma área de aproximadamente 12.000 m2 dentro do Parque Caiara, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. Ele tem capacidade para filtrar 350 mil litros de água por dia.

Com abrangência estadual, a saúde e a qualidade do Capibaribe beneficia de forma geral toda a Região Metropolitana do Recife, alterando diretamente a qualidade da água e a vida da população, principalmente, da parcela que vive da pesca e da travessia em barcos.

De acordo com a Aries, a oxigenação da água promovida pelos Jardins Filtrantes favorece a resiliência ambiental dos corpos d’água, com ênfase no entorno da área do Parque do Caiara.

Lagoa plantada como parte do projeto Jardins Filtrantes – Foto: Cedida pela Aries

Tecnologia

A ARIES menciona que os jardins filtrantes contam com um processo de filtragem contínuo, capaz de tratar 350 mil litros de água por dia.

A tecnologia francesa foi criada pelo arquiteto paisagista Thierry Jacquet e tem eficácia comprovada no Rio Sena, em Paris, permitindo a recuperação do efluente de forma natural.

A técnica de fitorremediação ocorre por meio de tanques com diferentes configurações, escavados no solo, impermeabilizados e preenchidos com substratos específicos.

O processo de filtragem do jardim instalado nas margens do Riacho do Cavouco possui três tanques: o vertical, responsável pela redução do acúmulo de matéria orgânica, o horizontal, que faz a remoção de sólidos suspensos, e a lagoa plantada com ninféias aquáticas, que participam do processo auxiliando na desinfecção e reintrodução de oxigênio na água.

Espécies vegetais na superfície

O projeto planta espécies vegetais na superfície dos substratos para promover o tratamento na zona das raízes.

Trata-se de um sistema natural, não há aplicação de agente químico artificial ou microrganismo exógeno no processo. Uma vez construído e plantadas as espécies vegetais, os microrganismos responsáveis pelo tratamento se proliferam na zona de raízes naturalmente, requerendo manutenção periódica de baixo custo.

É uma técnica, onde espécies cuidadosamente selecionadas associam suas raízes aos microrganismos existentes nos substratos dos filtros para, juntos, exercerem a degradação e absorção de poluentes, transformando radicais compostos de N (nitrogênio) e P (fósforo), compostos orgânicos, metais e outros componentes bioquímicos que contaminam os efluentes em elementos removidos pelos vegetais ou biologicamente inertes obtendo, assim, a depuração completa.

De acordo com a ARIES, os jardins filtrantes são uma solução de despoluição baseada na natureza, com um processo de filtragem natural, sem adição de químicos ou cloro.

“Ao usar a tecnologia da própria natureza, também estamos criando áreas verdes, além de melhorar a qualidade do riacho, sendo esse o benefício da fitorremediação, a técnica com plantas utilizada para tratar a poluição. O jardim implantado na Cidade do Recife é composto por 7.500 plantas macrófitas nativas, que foram escolhidas pensando no clima da região, no projeto de paisagismo e na capacidade de filtragem. Entre as espécies, estão a Heliconia Psittacorum, Pontederia Cordata, Canna Generalis, Thalia Geniculata, Echinodorus Grandiflorus e Nymphea SP”, explicou a presidente da Aries, Mariana Pontes.

Jardins filtrantes – Foto: Giselle Cahu/ARIES
Jardins filtrantes – Foto: Giselle Cahu/ARIES

Custo e prazo

O investimento de aproximadamente R$ 7 milhões para a implantação dos Jardins Filtrantes é uma iniciativa do Projeto CITinova, projeto multilateral, realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação (MCTI), com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), gestão da ONU Meio Ambiente (PNUMA), e execução de instituições co-executoras. Na capital pernambucana, a Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) foi a parceira co-executora do Projeto CITinova responsável pela implantação da Solução Baseada na Natureza na cidade.

O projeto-piloto dos Jardins Filtrantes foi realizado em etapas. A primeira delas ficou voltada para a comunicação, escuta e participação popular, envolvendo os moradores em um processo simultâneo de educação ambiental e desenvolvimento conjunto de itens do projeto adaptados às necessidades do local.

A participação popular se estendeu também pela fase de projeto, execução e pós-execução, com ações de ativação do espaço, oficinas de reciclagem e outras iniciativas visando reforçar a inserção dos Jardins Filtrantes no cotidiano dos moradores do bairro da Iputinga e visitantes da região.

Considerando o processo de diagnóstico participativo, desenvolvimento do projeto e execução da obra, o projeto levou cerca de dois anos para ser entregue.

Resultados

A ARIES afirma que do ponto de vista ambiental já é possível verificar resultados positivos e promisores.

“A eficiência da tecnologia é comprovada por medições da qualidade da água, podendo ser vista a olho nú ao observar a água na entrada do sistema e ao final do processo de filtragem. Em época de seca, a vazão do Riacho do Cavouco filtrada pelo sistema é de aproximadamente 80%, enquanto na cheia chega a 20%”, informou Mariana Pontes.

O clima local, antes extremamente quente, tornou-se mais ameno com o aumento da área verde. O Parque do Caiara tornou-se uma área ainda mais viva e ambientalmente mais rica, com apropriação de fauna local. Por exemplo: a quantidade de pássaros, borboletas e insetos polinizadores no local aumentou, fazendo dessa presença um item atrativo para apreciadores e fotógrafos.

A Aries considera que a implantação dos Jardins Filtrantes impacta diretamente na conscientização da população e na sua relação com as águas.

“Por se tratar de uma estação de tratamento de águas não convencional e natural, cercada de flores, o Jardim Filtrante chama atenção e proporciona a surpresa de entender como a natureza transforma água poluída em purificada”, cita Mariana.

Qualidade da água antes e depois do processo dos jardins filtrantes – Foto: Cedida pela ARIES

Modelo adaptável

O sucesso dos jardins filtrantes em terras nordestinas provoca o questionamento se o mesmo modelo poderia ser implementado em uma região como a Amazônia. Para a presidente da ARIES, isso é possível pois os Jardins filtrantes podem ser facilmente adaptados para áreas urbanas e estruturados de acordo com a filtragem que precisa ser realizada.

“A Solução Baseada na Natureza é adaptável aos diversos tipos de biomas e utiliza geralmente a fauna local, o que favorece a adaptação das espécies. Nós acreditamos que o futuro das cidades passa pela inovação através de tecnologias verdes, construindo cidades cada vez mais sustentáveis a partir do investimento na natureza”, conclui Mariana Pontes.

Rio Jundiaí – São Paulo

Na busca por outros exemplos de projetos sustentáveis no país, conversamos também com o Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), organização que atua em prol do desenvolvimento sustentável de cidades no Brasil. Um projeto que o ICS destaca no país é o que envolve o Rio Jundiaí.

A despoluição do Rio Jundiaí, em São Paulo, teve início em 1982. O projeto contou com a criação de um Comitê de Estudos e Recuperação do Rio Jundiaí (CERJU), reunindo todas as cidades da bacia, além de indústrias e o governo do estado.

O Rio Jundiaí possui 128 km de extensão, nasce em Mairiporã e passa pelas cidades de Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista, Jundiaí, Itupeva, Indaiatuba e Salto. Ele desemboca no Rio Tietê.

“Ele foi despoluído, principalmente, a partir de investimentos em saneamento e recuperação de vegetação nas margens dos rios. É um projeto bastante conhecido, bastante reconhecido, muito concreto, visível, com impacto grande para a cidade. Inclusive, possibilitando até que haja captação dessa água para tratamento e utilização”, diz Igor Pantoja, coordenador de relações institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis.

Para Igor, em um país como o Brasil, com um déficit imenso de saneamento, ainda falta vontade política.

“A gente sabe que muitas vezes os políticos não gostam de investir em saneamento porque, como diz, é tubo enterrado, então ninguém vê. É uma coisa que não dá visibilidade, mas é uma coisa crucial para a melhoria da qualidade de vida, para possibilitar a recuperação dessas áreas de rios. Então, falta muita vontade política”, acredita.

Peixes são visíveis em diferentes áreas do Rio Jundiaí, em São Paulo – Foto: Divulgação/Prefeitura de Jundiaí
Trecho do Rio Jundiaí – Foto: Divulgação/Prefeitura de Jundiaí

Rio Sena – França

Fora do Brasil, podemos citar exemplos de despoluição na Europa. A prefeitura de Paris, na França, segue com trabalhos para limpar o Rio Sena. O valor chega a € 1,4 bilhão (mais de R$ 8 bilhões de reais).

A despoluição do Sena está envolvendo uma série de esforços, não apenas para retirar o lixo e a poluição já existente, mas também para evitar a entrada de novos resíduos e esgoto no futuro.

Além do tratamento das águas, a cidade também está trabalhando com a modificação de esgotos em casas.

Uma primeira tentativa de despoluição do Sena ocorreu ainda em 1989 na capital francesa, incentivada pelo então presidente Jacques Chirac. Porém, o líder francês não conseguiu concretizar a ação.

A ideia voltou com força quando Paris foi escolhida em 2017 como a sede das Olimpíadas de 2024.

Paris se preparou para a despoluição e construiu estações de tratamento de esgoto, além de projetos de recuperação do ecossistema local.

O resultado é que o Sena já conta com espécies de peixes e faz parte do rol de casos de sucesso de rios despoluídos pelo mundo.

Rio Tâmisa – Inglaterra

O Rio Tâmisa, em Londres, é outro tipo de exemplo que pode ser usado como inspiração por governos em diferentes partes do mundo.

Segundo o ICS, biologicamente, o Tâmisa estava morto e foi “resuscitado” em menos de 50 anos, esforço que já alcança quase três gerações de londrinos. Para se ter noção do problema, ainda no século 19, o rio era lembrado como “O Grande Mau Cheiro”. Na época, doenças de veiculação hídrica e até mesmo cólera eram bastante comuns no lugar.

O jogo começou a virar a partir da construção de um amplo sistema de captação de esgoto. A ação não parou mais e a empresa responsável pelo serviço na cidade londrina segue investindo em infraestrutura.

O rio conta com equipamentos modernos como radares e sonares que descrevem a localização de lixo no leito. O resultado é que, atualmente, o Tâmisa é composto de 125 espécies de peixes e mais de 400 espécies de invertebrados.

O trabalho amplo e sério se transformou em uma proteção das reservas de água que abastecem Londres e garantem segurança hídrica à população. O projeto reverteu a poluição das águas urbanas do rio e impediu históricas enchentes.

Rio Tâmisa em Londres e pontos turísticos como o ‘London Eye’ e roda gigante – Foto: AE/Soraya Ursine/Estadão Conteúdo

Coco verde e a despoluição

O Portal Norte verificou que a despoluição de leitos também pode contar com a ajuda de outras inovações que reduziriam os custos finais na difícil tarefa. Não resolve tudo, mas pode ser um importante aliado em dias melhores para as águas.

Uma tese de doutorado da Universidade Federal Fluminense (UFF) propõe elaborar formas de retirar contaminantes emergentes, ou seja, poluentes, de forma sustentável com a utilização de biocarvão magnético produzido através de cocos verdes.

A professora Dra. Marcela Cristina de Moraes, educadora do Instituto de Química da UFF, orientadora da pesquisa, explicou como o estudo ajuda na despoluição de fármacos, produtos de higiene pessoal e outros poluentes da água.  

“O estudo que a gente desenvolveu aqui na UFF resultou em um biocarvão magnético do coco verde para remoção de absorvente em água. A ideia de se produzir um biocarvão a partir da casca do coco verde não é nova, já tem trabalhos nisso, mas o processo que desenvolvemos resultou em um produto ainda melhor para resolver essa questão de descontaminantes emergentes. Do coco verde, que seria a casca, a gente removeu a polpa. Quando ela ainda tá presente, submetemos esse material a um processo de secagem e, em seguida, submetemos a um processo de conversão termoquímica. O principal produto que nós obtemos é o biocarvão. Nós desenvolvemos um processo mais fácil e barato, combinamos com nanopartículas magnéticas. Dá para recuperar esse biocarvão com um campo magnético, mas conhecido como ímãs, o que se torna mais fácil e mais barato.  O biocarvão magnético tem uma capacidade excelente de remover contaminantes emergentes em água e é facilmente recuperado”, detalhou.

Processo que demonstra as vantagens da utilização do biocarvão – Arte: Universidade Federal Fluminense

O uso do biocarvão vegetal pode ser utilizado principalmente em estações de tratamento de água, mas também pode ser utilizado em outros cursos de águas.

“Essa etapa de remoção de contaminantes emergentes da água, hoje em dia não está presente nas estações de tratamento de água. O tamanho dos emergentes que estão ali [água poluída], em pequenas concentrações, se acumulando no ambiente, eles não são rotineiramente removidos. Então, o maior propósito seria a gente, então, assegurar água de qualidade para a população, pensando tanto na geração presente quanto em gerações futuras. E como a gente está utilizando como precursor um resíduo urbano, representa menor custo associado a esse processo de melhoria da qualidade da água. Então, ele estaria vinculado à produção do produto que nós desenvolvemos aqui, que não envolve um custo elevado. E aí a gente tem que pensar também que boa parte do carvão que a gente consome hoje em dia, ele é importado, ele não é um produto obtido nacionalmente. Então, têm várias vantagens associadas no uso desse produto. A gente está pegando um resíduo, promovendo então uma resignação tecnológica para esse resíduo e pensando então na qualidade de água para gerações futuras”, explicou.

Turismo e economia

A revitalização dos igarapés não beneficiaria apenas a paisagem de Manaus, a saúde da população ou eliminaria um problema social crônico. O turismo poderia ser um novo setor a ser explorado. É o que garante a professora Selma Batista.

“Destaca-se que as três nascentes do igarapé do Mindu, situadas na Unidade de Proteção Integral Parque Municipal Nascentes do Mindu, sob responsabilidade da SEMMAS, localizada a 600 metros da Reserva Adolpho Ducke, apresenta grande potencial para o turismo ecológico como alternativa de ações para o desenvolvimento do bairro Cidade de Deus, Jorge Teixeira, entre outros localizados na extensão do percurso do rio que passa pelo Parque do Mindu, Parque dos Bilhares e deságua no rio Negro, ao lado do Complexo Parque Rio Negro, no bairro do São Raimundo”, explica Selma.

Turismo de várias categorias

A turismóloga Hany Cândido compartilha do mesmo otimismo. Para ela, com a despoluição dos igarapés, os cursos de água poderiam receber turismo em várias categorias como ecoturismo, aventura e até, em alguns casos, pescas.

“Acredito que a despoluição dos igarapés é um ideal possível e que com certeza agregaria para o turismo no município de Manaus. Manaus é cortada por diversos cursos de água e seria uma cidade belíssima caso fossem aptos para banho e outras atividades. Alguns esportes aquáticos já são praticados nos rios e igarapés do Tarumã- Açú e, com certeza, agregam para a atividade turística como o stand up padle. As corredeiras de Presidente Figueiredo são propícias para o rafting e boia Cross. De certo, se fossem aptos para banho e pela proximidade com o centro urbano, seria uma atividade interessante para a cidade. A tirolesa é outra atividade interessante para igarapés”, explicou.

Observatório de turismo

Segundo o Observatório de Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a arrecadação gerada pelo turismo em Manaus de janeiro a setembro de 2022 foi de R$ 6.958.529,54.

Os segmentos turísticos que mais ocorrem em Manaus são cultural, ecoturismo, aventura, cultural, gastronômico e comunitário. É o que ressalta a turismóloga Hany.

“No Amazonas, acontecem a maioria destas tipologias [rural, aventura, cultural, ecoturismo, negócios e eventos e pesca], exceto o turismo náutico. O Rio Preto da Eva possui atividades de turismo rural. Presidente Figueiredo, Manaus e arredores como Novo Airão, o turismo de aventura e ecoturismo. Na cidade de Parintins, temos exemplos de turismo cultural e de eventos, além da própria capital que sedia diversos eventos que geram negócios. A cidade de Barcelos já possui a atividade do turismo de pesca como tradicional. Creio que é crescente o segmento gastronômico que vem ganhando força e o turismo comunitário que trabalham com as comunidades tradicionais”, afirmou.

Adrenalina em diferentes locais

Frank Almeida, atleta de slackline das equipes 092slack e slackjungle, é especialista em esporte radical no Amazonas. Para ele, com a sonhada despoluição dos igarapés, há várias opções de esportes que podem ser praticados pelos cursos de água.

Ele acredita que pelo número de igarapés em Manaus, de vários tamanhos, a adrenalina pode variar de local.

“Acredito que Slackline, Highline e canoagem podem ser na época da cheia. Rafting, Tirolesa, Stand-up Paddle, Boia Cross também são uma ótima opção”, destacou.

Para ele, os esportes radicais que poderiam ser utilizados nos igarapés e também gerariam lucros para a população e capital seriam:

Rafting

Rafting é um esporte realizado com um bote em um curso de água. Ele é um dos praticados em Presidente Figueiredo, a 128 km de Manaus.

Boia Cross

Frank Almeida diz ainda que outro esporte viável para alguns igarapés na capital seria o Boia Cross. O esporte consiste na descida de águas (rios, lagos, cachoeiras, etc…) em uma boia. Além de se divertir, os turistas contemplam a natureza.

Canoagem

Já a prática da canoagem era realizada há séculos na capital, porém a poluição das águas eliminou totalmente essa opção viável de lazer, esporte e transporte.

Tirolesa

Tirolesa é uma atividade esportiva que consiste em um cabo aéreo ancorado entre dois pontos. Os aventureiros se deslocam de um lugar para o outro. Pode ser por cima do recurso de água e ao lado.

Stand-up Paddle

Stand-up Paddle é bastante popular na capital e no Rio Negro. Utiliza pranchas infláveis e que podem ser utilizadas para todos os níveis de habilidade e idade.

Stand-up paddle no Rio Negro em Manaus – Foto: Reprodução/Instagram@tribalsup

Exemplo que dá certo

Outro bom exemplo de que os igarapés podem ser fonte de turismo e agregar educação é o que ocorre no Igarapé Água Branca, na Zona Oeste da capital. No local, é possível ter excursões, tanto de estudantes, quanto de turistas para mostrar uma realidade que não é vista em outros cantos da capital.

“Aqui no Igarapé Água Branca, recebemos alunos da rede pública de ensino somente para mostrar a eles um igarapé vivo, limpo, porque continua cercado de florestas de APPs intactas desde a nascente até a foz. Muitos turistas estrangeiros chegam até aqui através das nossas páginas nas redes sociais”, explicou o presidente da ONG Mata Viva.

Transporte

Erikes de Souza Rodrigues, empresário no ramo do turismo de aventura, com ênfase em caiaque e canoagem, concorda que os igarapés podem ser utilizados tanto para o turismo, quando para transporte.

“Eles [igarapés] não só têm um viés turístico como o transporte das pessoas em si. Aqui na capital temos dentro da cidade muitos igarapés que poderiam melhorar muito o trânsito. Igarapé como o Mindu que passa pelas principais vias de Manaus como Djalma Batista e Constantino Nery e que perpassam parques e áreas de proteção têm uma imensa possibilidade de turismo e transporte. Teria um impacto positivo enorme, basta comparar com cidades com rios limpos como Itália ou Holanda onde é parte significativa do turismo. Quem não iria querer passear de gôndola (Viena) por locais como o parque do Mindu e encontrar bichos de nossa fauna”, declarou o empresário.

Caiaque em rio no Amazonas – Imagens: Reprodução/Instagram@amazonmysterytours

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