Três representantes dos povos indígenas foram ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, que investiga a atuação das organizações na Amazônia, no Senado Federal nessa terça-feira (27).

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Os indígenas criticam a presença das entidades e denunciam a falta de transparência e de diálogo no trabalho das ONGs, além do descaso com as demandas das comunidades locais.

Um dos depoentes, Valdecir Baniwa, que representa o povo Baniwa da comunidade Castelo Branco que fica em São Gabriel da Cachoeira (AM), acusou as organizações de impedir a chegada de recursos e assistência social para as comunidades indígenas.

Segundo o indígena, o único benefício que chega às comunidades da região é o Bolsa Família.

“Dentro das terras indígenas, a desigualdade econômica e social a cada ano está aumentando. O Fundo Amazônia é muito falado, mas em nenhum momento chegou na ponta, na comunidade”, enfatizou.

Valdecir destaca ainda que sempre viveu na região e questiona onde está o recurso doado para as comunidades indígenas.

“Eu sou morador da comunidade, sou indígena que me criei pescando no rio Içana. Cadê aquele dinheiro doado pelos estrangeiros para as ONGs da região amazônica? Quem está sendo beneficiado? Nós vivemos de suor, trabalhamos”, indagou.

Ainda em seu depoimento, Baniwa destacou a ONG Instituto Socioambiental (ISA) que atua em quatro estados do Amazônia Legal.

A mesma organização foi citada por Alberto Brazão Goes, liderança do povo Yanomani.

Goes criticou a falta de transparência e de resultados nos projetos realizados pela ONG.

“O ISA executou um projeto no Alto Rio Negro de criação de peixes. Acessaram a verba federal, não houve prestação de contas e o projeto não avançou, aí abandonaram. O que aconteceu? [Virou] criadouro de mosquito da malária. É isso que a gente deve herdar? É uma ofensa para nós”, desabafou.

O líder dos Yanomami ainda indagou a venda de cogumelos pela mesma ONG, e pediu transparência.

“A mesma ONG tem um projeto [para vender] cogumelo ianomâmi no exterior. O grama do cogumelo custa 7 euros. Por que a mídia está dizendo que os Yanomami estão morrendo por inanição, se existe um projeto que arrecada milhões? É contraditório né, nós queremos transparência. Acessou verba federal, acessou verba estrangeira, então mostra para nós quanto é, e quanto nós vamos usufruir daquilo,” explicou.

Segundo o senador Beto Faro (PT- PA), os problemas sociais que envolvem as comunidades indígenas são uma realidade conhecida.

O congressista ainda criticou o tom nas falas dos indígenas e ironizou a “culpa” atribuída a ONG.

“Há uma situação, mas daí a ter uma ONG responsável por todas as mazelas criadas desde 1500? Acho que o ISA tem que vir aqui para explicar os seus procedimentos. O que não dá é para sair com a coisa acertada, [decidir] quem é o criminoso e buscar o crime para ele. Não há como dizer que temos problema só dentro de algumas comunidades”, destacou Faro.

ONGs travam desenvolvimento

Baniwa afirmou que os representantes das ONGs costumam “engavetar” as reivindicações das comunidades indígenas, impedindo que as propostas das comunidades sejam levadas ao poder público.

“As comunidades se juntam, fazem grupos de trabalho e colocam propostas. Só que as ONGs pegam as propostas depois da assembleia e engavetam, não levam para conhecimento do governo”, relatou.

Ainda segundo o líder indígena, a não atuação das ONGs de forma efetiva tem contribuído para que as comunidades busquem alternativas para sobrevivência.

“Por falta da ajuda das ONGs é que as comunidades estão tomando outro caminho. Elas têm que buscar outra solução. As ONGs travam nosso desenvolvimento. Por isso estamos dizendo que quem tem que decidir somos nós”, afirmou.

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Conforme o indígena, os povos estão deixando suas terras e buscando outras formas de subsistência.

“Os povos indígenas estão deixando suas comunidades e migrando para as cidades em busca de qualidade de vida para as suas famílias. Por falta de alternativa, algumas das comunidades estão constituindo cooperativas e associações sem a participação das ONGs”.

Além disso, os que decidem ficar, têm se organizado de forma paralela ao trabalho das ONGs.

“O objetivo é fazer renda dentro da comunidade, para poder permanecer lá. Se não tomarmos iniciativa, daqui a 10 anos não vai ter ninguém dentro das terras indígenas”, concluiu.

Relator

Segundo a avaliação do relator da CPI, senador Marcio Bittar (União- AC), a situação é semelhante a um “circo” e os habitantes locais não são considerados.

“Eu me incomodo muito com a suspeita de que se montou um circo em torno da questão da Amazônia. Os atores que estão decidindo por ela falam na preservação das comunidades indígenas, mas isso é apenas um discurso. A prática é outra. Há mais de 40 anos se gasta dinheiro em seminários, em encontros internacionais, e a pobreza na Amazônia só aumentou”, contou Bittar

Esse foi o primeiro dia de depoimentos da Comissão, durante a reunião os parlamentares aprovaram 23 requerimentos com pedidos de informações a governos estaduais e municipais, propostas de audiências públicas e convites para novas oitivas.

Mais dois representantes foram convidados para responderem questionamentos sobre a gestão e a fiscalização dos recursos do Fundo Amazônia, um do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).