Pesquisadores alertam para risco de substituição da floresta tropical amazônica por vegetação de tipo de savana, caso tendência de aquecimento e estiagem se mantenha nas próximas décadas.

A seca que afetou a Amazônia em 2023 causou a maior queda nos níveis dos rios já registrada e está relacionada a mudanças climáticas, mostra estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

A busca por explicações para eventos tão extremos mobilizou uma rede internacional de pesquisadores. As análises sugerem que tanto o calor, quanto a seca que atingiram a maior floresta tropical úmida do mundo, já refletem o panorama das mudanças climáticas, tanto em nível local como global.

Os resultados do estudo foram publicados em artigo publicado em abril na revista científica Scientific Reports.

Pior seca da história

Segundo determinados quesitos, a seca que ocorreu ano passado foi a maior da história. Um destes indicadores é o nível do rio Amazonas e de seus tributários, como o rio Negro, às margens de Manaus.

Em 26 de agosto do ano passado, as águas em frente à capital amazonense alcançaram apenas 12,70 m, o menor índice desde o começo da série histórica, em 1902.

“Do ponto de vista do nível dos rios, esta foi a seca mais forte já registrada”, diz o pesquisador peruano Jhan-Carlo Espinoza, coordenador da pesquisa.

Ele afirma que outros estudos em andamento podem vir a mostrar se esse episódio também foi o mais intenso do ponto de vista, por exemplo, da disponibilidade de água para a floresta, ou de sua duração. “Na verdade, ainda não estou convencido de que a seca tenha chegado ao fim”, diz.

Não retorno à savana

A intensidade dos fenômenos El Niño e La Niña em 2023 não pode ser explicada apenas por variações naturais. No texto do artigo, os autores discutem dois fatores que podem ter contribuído para esse ganho de intensidade: aquecimento global e desmatamento.

Todos esses eventos ocorrem em um momento em que a Amazônia já perdeu cerca de 18% de sua cobertura florestal e caminha para o que os cientistas chamam de “ponto de não retorno”, o que indicaria o colapso parcial ou total da floresta e a aceleração do aquecimento global.

“O artigo não chega a fazer prospecções de cenários futuros. Porém, lamentavelmente, se esses dois fatores não forem controlados, a tendência é que tendam a crescer com o tempo. E muitas publicações que analisam cenários futuros sugerem que as condições mais secas e mais quentes, por volta do ano 2050, se tornem algo normal na Amazônia”, diz.

Se isso acontecer, parte considerável da floresta pode virar uma mata degradada do tipo de savana, com menos espécies, ou até um cerrado, com poucas árvores e mais gramíneas. Este processo é chamado pelos teóricos de savanização da Amazônia.

“O crescimento das condições secas e de calor vão levar a floresta até o chamado tipping point, ou ponto de não retorno, em que se inicia a savanização. E isso teria implicações muito sérias.  A floresta amazônica tem funções muito importantes em umedecer a atmosfera e modular a circulação atmosférica. Sem ela, o clima vai mudar, e o resultado será, por sua vez, uma piora das secas, num processo que se retroalimenta”, completa.

*Com informações do jornal da Unesp